Com “Wild Horses” Robert Duvall
tentou ainda um lamento por aquilo a que chamam velho estar
constantemente a ser engolido por aquilo a que chamam novo; belos e
selvagens cavalos em colinas resgatadas e resistentes ao betão e ao
combustível. Mas falhou, falhanço que tanto mais dói quando se
pensa no enorme cineasta que estava em “The Apostle”, união de
Mark Twain e da grande literatura sulista americana com os
crepúsculos dos últimos clássicos de Hollywood. Ou porque os
executivos (Zanucks do Martim Moniz) lhe sacaram as mãos da massa,
ou porque já não é possível contrapor ou conciliar tais coisas –
sentimentos, paisagens, arquitectura - num mundo já definitivamente
outro e irremediável, o certo é que tirando os olhos fundos e
aterrados de Duvall tudo o resto é supérfluo e surpreendentemente
mal fabricado (quando se montam silêncios como se montam explosões,
é o fim sem princípio dele).
O velho cowboy e a sua sesta
pela sombra na desmesurada extensão agreste, o sol queimante
fustigando as pedras chamuscantes e o chapéu que faz parte do corpo,
a valente cigarrada a rimar com a fogueira da ordem, o cavalo ao lado
sentindo tudo e também não descansando... mas, grande mas, o som
alheio a esse quadro perfeito já fazia adivinhar a desordem e a
tragédia. Aviões e cowboys não é o habitual e a essa estranheza
Kirk Douglas ainda não se habitou, nem se vai habituar. Seguidamente
são as cercas, arames farpados, propriedades privadas... depois os
fumos e os químicos, os monstros motorizados, toda uma sujidade a
conspurcar o que era o límpido género cinematográfico americano
por excelência. Só nos podemos recordar do raivoso “Man Without a
Star” que King Vidor fez apenas sete anos antes de David Miller
ousar “Lonely Are the Brave” e termos ainda mais pena desses
homens e dessa única mulher que sofrem por não se saberem integrar.
John Huston tinha acabado de falar e de mostrar disso no
dolorosissimos como o rosto esfrangalhado de Montgomery Clift “The
Misfits”, e Wim Wenders iria depois comentar o mesmo em alguns
filmes sensibilíssimos e noutros menos bons, só que a definição
que Douglas dá à sua estirpe e o final há muito prometido nas
paralelas do progresso cravam outra ferida que ainda hoje não sarou.
É logo depois de ele ter estado com a mulher do seu melhor amigo e
de percebermos um amor para a vida e para a morte entre eles, logo
depois da inexplicável e óbvia bulha no saloon, logo logo depois de
forçar a prisão para poder estar um pouco com o tal irmão e de
perceber que esse homem que odiava as mesmas coisas que ele, esse
homem amante da liberdade que ajudava refugiados e não punha limites
no que a sua vista alcançava, já prefere aguentar a lei e as suas
cordas fortes para poder voltar para a mulher e para o filho e para o
lar. Douglas, que jamais conseguiria mudar embora se calhar o
quisesse, foge mesmo e volta à mulher para contar do que pensava não
ser possível. E redime então infindáveis seres e infindáveis
destinos: a doença ou a cruz da solidão; não se escolhe nada disso
por moda ou posição, nasce-se assim, aleijado; a única pessoa com
quem esses aleijados podem viver é com elas mesmas; matando quem a
elas se ouse juntar. E foge, foge, livre como o vento e condenado
pela sua natureza. O seu Whisky, nome do seu cavalo inseparável, com
brigas e reatamentos incluídos, vai com ele fazer a subida aos céus
que costumam fazer tais teimosos, provando a sua razão e os seus
motivos, mostrando que se existe para além do carimbo burocrático.
Longa caçada e outro ser extravagante para as novas regras e tempos,
o xerife de Walter Matthau, tão calmo e pacificado e certo como o
fantasma que tem de meter na jaula, ficando feliz pelo inimigo ter
escapado para assim poder fazer brotar novos anacronismos, balões de
ar e carne e osso que possam falhar, gente contrária aos autómatos
que comanda. Opostos nas farda e no ofício, compreendem-se numa paz
dos anjos que guardam só para si – esta criação e esta
correspondência só o impagável Dalton Trumbo a poderia ter sonhado
e concretizado, aposto. Mas, desconfiávamos, aquele adamastor TIR
que ia aparecendo sem lógica pelos interstícios, teria de ter
alguma função. Quando o xerife só pensava num bife e na cama
encontra na autoestrada o cowboy por terra, por lama, vencedor e
acabado, grande e imóvel. Sozinho e bravo. A câmara sobe
classicamente e alguém vai gritando para se ser rápido, Rápido,
Rápido, Rápido, até à exaustão. Para descer novamente ao betão
e encontrar o chapéu de toda uma humanidade sem dono, vilipendiado,
esquecido e em grande-plano. E as infinitas conclusões para tirar
desses choques. Sem legenda necessária.
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