terça-feira, 24 de novembro de 2015



Mark Robson teve de largar as casas dos loucos e as ilhas dos mortos para se enterrar numa realidade bem mais medonha e delirante, o quotidiano normalizado, a realidade e o espectáculo do dia-a-dia, o que nos dão a provar e a comer no sofá da engorda. Philip Yordan escreveu e produziu uma história que se é tão autobiográfica como aparenta e se diz, nos continua a condenar a cada dia que passa. Quanto a Humphrey Bogart, aparentemente tão ignóbil e sujo como os restantes que rodeiam a sua esposa e o boxeur-criança, teve de esperar pelo fim da vida para a sua cara inchada e os seus olhos a desfazerem-se de tremuras e de medos poderem expressar genuinamente a fonte de todos os ódios pelo que viu e a possível salvação de todos nós arrancada a ferros. Os cigarros, o whiskey, as mil vidas, e a correspondente consumição pelos meandros andrajosos da fama e do poder que todos os três experimentaram para atingirem o desassombro de passar do negro do cinematógrafo à luz de um bom sentimento final. Então, todos os temas eternos são convocados: o pecado e a perdição, a maçã e o inferno, honra e orgulho, a mãe e o fim; e todo o momento em pressão e tensão: o desemprego, a imprensa, a publicidade, o cinema e o desporto correspondentes da guerra, políticos e atentados. E o que é mais impressionante é que não estamos perante o supra-sumo da encenação de Robson, da caneta de Yordan ou do mito de Bogart: as cenas de boxe não são credíveis, os diálogos são brutíssimos e estão longe das sinfonias de "Johnny Guitar", Bogart está quase a estourar ou a mirrar. E por causa disso, porque se prefere a veracidade e o sujo do que já não cola nem se pode polir perfeitamente, este amontoado de arestas acinzentadas e feias, um coro indomado e primitivo de tão inteligente, o glamour calcinado pelo humanismo estropiado, o falso e o mais do que real entram em choque frontal. No desenlace, uma nova página e uma nova história estão prontas a ser rabiscadas, com todas as fraquezas da carne e da alma asseguradas. "The Harder They Fall" é o espelho disponível e o nosso ponto de chegada constante; com apelo de remissão lá pelos fundos. Tão perto da vida e tão perto da morte. Fechando no intervalo do quadro composto com o homem e a mulher. O intervalo do amor. Então, cada qual que se atire. Ou a um abismo ou a outro. Mas a um abismo.

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