- «Só percebo quando acredito»,
Philip Marlowe, “The Lady in the Lake”, Raymond Chandler.
No derradeiro plano de “Juventude em
Marcha” está contido todo o movimento do filme, da obra de Pedro
Costa e do mundo enquanto mundo habitado dos homens. O velho e o
recém-nascido. O velho em demencial e sereno equilíbrio e o recém-nascido espantado. Os monstros metálicos que mandaram abaixo as casas
do bairro da Vanda. Os berços assombrados a todos pertencentes. Os
pátios luminosos do recreio janela adentro. O obscuro monstro
televisivo. O chilrear invisível dos pássaros. O apocalipse. A
primavera. Passagem e equilíbrio cósmico. Se até aí a negrura
intolerável das tripas e das teias do esquema social tinha sido
vergada a favor dos merecidos na terra, tudo floresce a partir do
buraco negro. O Princípio do Mundo.
Dezasseis anos antes Charles Burnett já
assim tinha rasgado os confins para reiniciar a partir de um baralho
sacudido pelas visões de um Novo Testamento. Novo, Primeiro
Testamento. Em “To Sleep with Anger” o profeta escandaloso
atravessa o caminho todo e o lar todo. Anjo e Demónio com o bem e o
mal quebrados os finos liames. A serpente e as pragas nos bolsos. O
mar vermelho e a pedra de Lazaro aos fundos ou no imediato plano.
Harry, nome da graça, reduz a pó o próximo entre idas e voltas à
prometida terra nunca vista ao mesmo tempo que mete o caos
burocrático na ordem primeira. Em pontuação, fundido ou
complemento, o menino mais novo do mundo toca a trompeta da luz
inaugural entre a terra revolvida, as aves dos altos aléns e os
vórtices da nascença. Andamentos carregados de gravidez e de
cadáveres permanentes, para ficar limpa a imagem do Novo Mundo.
“Dark Magus”, Miles Davis, 1974. Ferragem carnívora, ventania revolucionária, fogo nuclear interno, tripas permanentemente tripas. O Punk, Chopin e os espinhos do calvário. A narrativa do centro dos centros.
Entre esses tempos e ligando-os na volta desconhecida, a juventude em marcha. A Ventura.
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