The Crooked Way, Robert Florey , 1949
Passada uma grande guerra mundial, o
John Payne que ainda a vive aplacado em muitas paredes, longe do
mundo exterior e da sociedade, descobre-se com um pedaço de metal
alojado no cérebro. Vários anos depois. Quando decide atirar-se ao
abismo da sua amnésia dispensa a rede. Entrega-se à luz cegante sem
nada, sem provas da doença, sem condições, sem atenuantes, sem
provas. Mal sai para a saudável luz do dia descobre o seu antes em
guerra com o depois. O que era antes da guerra e a impossibilidade de
recomeço. Da fenda orgânica que cientificamente não lhe permite
recuperar a memória, só o passado lhe traçará todas as
coordenadas. Para presenciar in loco a outra indesculpável,
incomensurável e incurável fenda colectiva. Fenda psicológica que
contradizendo os dizeres médicos é imemorial, portanto, sem cura. O
corpo e o semblante fechados de Payne, a ausência de emoção, o
cancro e a gangrena da solidão, são a exacta radiografia de um
pós-guerra. Payne é um país perdedor e toda essa tragédia de
carregar uma marca. Um nazi e um vencedor.
Passada uma grande guerra mundial, o
lado bom do recomeço não prossegue pela desconfiança, pela fama.
“The Crooked Way” é um palco de radiografias, luzes enterradas,
perfis vacilantes, naturezas condenadas. O trabalho do clínico
realizador Robert Florey e do demencial cirurgião John Alton
consiste em acender fósforos no negrume da noite total dos escombros
que restaram em busca da quimera do acreditar. Uma obra em branco
total e em preto total contrastados por lume de temperatura
incalculável em superfícies cremadas. No final do mundo e no
pós-apocalipse só a memória poderá salvar, os afectos viventes ou
jazentes na sombra das sombras. Memória - reconhecimento - -
confiança. Jamais a história oficiosa de quem tem a caneta, o papel
e o carimbo em mãos.
Payne e as formas do filme resistiram
ao inverno e às falsas primaveras, à fuga fácil e ao recomeço
longínquo. Aceitando o embate mais violento e ferrado com o medo
ciclicamente impingido ao Ser Humano. O totalitarismo será sempre
esse veneno retroactivo que vai infectando o embrião de um Payne
gestado em guerra. Invernos e primaveras trocadas. A grande guerra
mundial calada nos passeios e bairros do dia-a-dia.
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