Tivesse estreado no festival de Cannes, no Lucky Star – Cineclube de Braga, em Curitiba no Coletivo Atalante, ou numa sala clandestina no Fundão, onde primeiramente eu o vi, Mnemosyne de Mário Fernandes continuaria a ser aquilo que efectivamente é, o filme mais importante do cinema português actual. Porque a mão do destino dos deuses e dos monstros do cinema já deu a volta e os filmes que estreiam nos grandíssimos e prestigiantes festivais são na sua maioria blockbusters de autor, marca registada que pretende o alcance de alguns lucros: o egotismo, o autorismo, o arrivismo, o espezinhamento da concorrência “pobre”. Interessa-me as demandas artesanais e amadoras de Rob Tregenzage ou de Mário Fernandes, ou os filmes honestos da grande indústria, e o Werner Herzog que já há muito dispensa festivais-mamutes preferindo pesquisar novos cosmos como se possuísse o telescópio Webb - p. ex.: Creed de Ryan Coogler é tão belo porque profundo nas suas galáxias terrenas como Cave of Forgotten Dreams nas profundezas primordiais.
Lost West (estreado em 2010) foi um estertor lírico e
uma carta de amor ao cinema clássico e seus ecos, de Ford a Leone, e um
documento importantíssimo da ampla região da Cova da beira e do holocausto capitalista
e ecológico subterrâneo que até hoje, por exemplo na questão da extração do
lítio na serra da Argemela, continua podremente a corroer sem vacina. Tudo, bom
e mau, natural e tóxico, a desfilar inapelavelmente em espelhos imperdoáveis,
vingativos, sem comentários demagogos ou panfletos. Das Beiras à luz mítica,
cristalina e coada pelos mitos Helénicos, antiga como perdida nas crises dos
espartilhos afectivos, o passo foi mais do que lógico - The Last Day of
Leonard Cohen in Hydra (2018) é uma busca detectivesca pela luz de Homero (Mnemosyne
perscruta, segundo o seu autor, o romano Propércio) e pelo analógico - no
amor ou cinema – que as leis festivaleiras e os bons costumes culturais já não
permitem nem ao humano nem ao artista. Mnemosyne não tem “tema”, nem
agenda, nem “actualidade” pertinente; sem tempo ou assunto precisos, tem por
dentro todos os tempos e matérias.
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