segunda-feira, 10 de agosto de 2009
...we respect him because he shoots scenes of murder like scenes of love.
Truffaut certo, certíssimo, como sempre. Será coincidência que no mesmo dia em que fiquei derrubado por “Rebecca”, alguém me tenha alertado (muitooo agradecido) para uma dupla sessão de Hitchcock na 2? Certo que o primeiro dos filmes já tinha voado, nada sério, a seguir passava um dos meus favoritos: “Dial M for Murder”. A primeira vez que o tinha visto também tinha sido no mesmo canal, aí há uns dez anos, com introdução de João Bénard da Costa, junto a um telefone, num clima que reenviava para os ambientes do mestre. Gravei, nunca esqueci, revi muitas vezes, tantas o filme como a sábia e inultrapassável introdução do outro mestre. E que bom que foi rever mais uma vez, é coisa sublime, única, de um encanto e inteligência raríssimas. Aquele momento em que a graça absoluta de uma mulher, Grace Kelly, naquela sensualidade, naquele corpo, com aquela voz e com tudo o resto, foram contraponto aos mecanismos e às macabras ideias de horror que o homem é capaz de urdir. Beleza insuportável e morte a coincidirem daquele modo no mesmo plano, ao longo do todo. O imaculado e o virginal em relação com o negro dos abismos e da perdição. Jogo de espelhos, reflexos e ambiguidades jogadas com a mais profunda das ironias, com o mais profundo sarcasmo.
...
"Bonsoir mesdames et messieurs. I beg your pardon in advance because my English is terrible. You just saw the dubbing version—the dubbed version, not the French version. In America, you call this man 'Hitch'; In France, we call him 'Monsieur Hitchcock.' [audience laughs] You respect him because he shoots scenes of love as if they were scenes of murder; we respect him because he shoots scenes of murder like scenes of love [laughter, applause]. Anyway, it is the same man we are talking about, the same man and the same artist. When I began to direct films, I thought Monsieur Hitchcock was fantastique, maybe because he weighed more than 200 pounds. Therefore I tried to eat more and more. I gained 20 pounds but it obviously didn't work. I knew I had to find another way to understand the proportions of his genius. So I asked Monsieur Hitchcock to give me an interview of 50 hours and to reveal all his secrets. The result was a book. Actually it was like a cookbook, full of recipes for making films. But the great secret of Monsieur Hitchcock is a secret of cinema itself. People used to say, 'A film is good when it gives fear or pleasure to the audience watching it.' But I don't believe that. A film is really good when you can read between the images the director's fears when he made this film, or his pleasure making this film [chuckles]. I see it must be pleasure that Monsieur Hitchcock felt when he put his camera on the summit of Mount Rushmore."
Truffaut para Hitch num tributo do Film Society of Lincoln Center, 1974
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3 comentários:
De nada! =)
Concordo com Kelly, a tremenda figura, fotogenia divina, perfeição sem par. Já lhe devo ter dedicado poesias ao esplendor, é-me incansável.
Quanto ao livro que lhes saiu da conversa, Truffaut e Hitchcock, é uma obra incomparável sobre o soberano do suspense. Se "Monsieur Hitchcock", em pose de mestre se retia numa arrogância afamada, depressa se descompunha por atrevidas, oportunas, curiosas, estudadas e sábias questões de Truffaut, o óptimo aluno daquele e de outros mestres.
E um óptimo realizador, também ele, como se veria uns anos depois, com as notórias influências que absorve ao estilo, detalhado nesse "livro de receitas", mas tão único e embuído nos primeiros e reticentes rasgos da nova vaga.
E foi sempre aí que se deixou ficar, em histórias de amor encantadas, de almas ao detalhe, reais, com sinceridade e sem exuberância.
Quanto à introdução do nosso caro Bénard, que preciosidade, gostaria de a ver.
Faz falta um crítico, assim como a ousadia excêntrica dessas abordagens de estética cinematográfica mas para consumo televisivo, massificado, ao cinema actual. Os boletins da programação são tão impessoais e não se denota um crítico que, no meio televisivo, tenha um destaque concreto, reconhecido...
Há dois problemas aqui: no meio televisivo português, os críticos que há falam do cinema em cartaz que, como se sabe, tem uma difusão, modo geral, bicéfala: Lisboa, Porto, por vezes Coimbra. Logo, há pessoas que estão a ouvir falar de filmes que não podem imediatamente ir ver, têm de esperar, com sorte, pelo dvd; Não existem programadores televisivos de Cinema reconhecidos. (Num modo microscópico, podemos salientar apenas o João Garção Borges, que assina a selecção do "Onda Curta")
E talvez seja por isso que eu, olhando em redor, vejo tão pouco amor pelo cinema, generalizado nos jovens actuais, tão pouco interessados, tirando certos focos localizados de paixão cinéfila. Estranha-se isso, tendo em conta, por um lado, a facilidade dada aos jovens para adquirir e ver mais coisas a que não teriam acesso sem a internet, por exemplo, mas ao mesmo tempo nos podemos debater com o excesso de oferta ao nível do consumo cinematográfico: os jovens não sabem o que escolher e não estão verdadeiramente informado sobre o que passa ao lado do cinema mais publicitado, o cinema comercial.
É com pena que oiço as velhas vozes de gerações passadas que encaravam as conversas sobre o Cinema numa base geral, que afirmam que se tomavam por bíblias certos livros que falavam sobre cinema e eram lindos por todos, sem excepção, que toda a gente tinha visto este ou aquele filme de autor, hoje considerados de culto, de consumo cinéfilo.
Penso por vezes no estado do Cinema actual, ao nível das possibilidades de hoje e do seu rumo efectivo e não chego a nenhuma conclusão. Existem certas tendências nos vários campos artísticos, mas nada de reconhecível e sustentável, nada que projecte um rumo reconhecível ou um sentido massivamente considerado.
Pós-Modernidade, Alter-modernidade?
O que é, o que somos, afinal? Pode ser que hoje se estejam a lançar as pontas basilares e só daqui a uns anos, num estado histórico, se reconheça a lógica concreta do movimento e dos séculos. Ou estaremos condenados ao caos geral, à falta sufocante do rumo, à caminhada indívidua preconizada nas instituições mentais do indíviduo, subvertido aos valores gerais do sucesso, da realização e do lucro.
Fora das noções sociológicas à priori, volto de novo à produção de Cinema e às palavras de Pedro Costa que por cá postaste: apesar de a hadycam estar hoje acessível a todos, o que aumenta a possibilidade de produção, há esta necessidade da organização e da união, de fusão de talentos e da distribuição dos cargos, um trabalho comum das ideias para uma produção comum, comunitária. A formação de núcleos uníssonos, ideologicamente sustentados e indiscutivelmente amigáveis parece-me a única forma de resolução deste problema social da produção independente actual.
Quanto aos rumos, se os achaste ao longo desta abordagem insistente que em pensamentos e palavras, prolongas (e, com certeza, deixas de prolongar) por aqui, neste blog tão informativo, que mas estendas para maior clareza e menor deambulação vã.
Desculpa-me o prolongamento.
Parece que estar de casa em férias, sozinha por opção e em tempos de conversas com gatos, o diálogo tem-me feito falta.
Um sorriso.
O que eu acho é que hoje em dia, no meio do cinema, e não só, existe muita inveja, muito ressentimento, muita individualidade mesquinha, coisas assim…não existe aquela paixão pelo cinema e pela arte passível de criar laços, relações, discussões, algo, não sei, próximo do geracional e do grupo, essas equipas de combate de que o Costa fala…que lutem contra os meios fechados e herméticos dessas produtoras e distribuidoras meio fascistas que dominam tudo – dinheiro, festivais, mediatismo, “conhecimento” etc, etc. – cinema de combate e de resistência, e não só cinema mas tudo…textos, imagens e sons, posições firmes e reivindicações…algo que leve para a frente.
Um trabalho como o que o Truffaut fez com Hitchcock hoje é completamente impossível, impensável, utópico. Porque na altura Truffaut já era um grande cineasta, premiado em Cannes e com uma legião de admiradores, etc…que faz ele? Tira dois anos para entrevistar alguém que nem era ainda considerado um grande cineasta… Mas quem hoje seria capaz de tal coisa? Que grande cineasta ousaria dedicar dois anos do seu tempo a outro para o promover, para desvendar os seus segredos? É ridículo nesta sociedade e neste tempo, até faz rir…
Fica bem.
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