terça-feira, 3 de novembro de 2009
“La Cérémonie”, Claude Chabrol, 1995. Plano um: duas vias de uma estrada, o passeio, habitações ao fundo, algumas pessoas por lá; luz bastante realista, quase a estourar, coisa sem glamour nem “pó de arroz”; calmamente surge Sandrine Bonnaire, meio desorientada, meio amedrontada (depois saberemos porquê); pelo quadro perpassa uma viatura que estranhamente ainda adensa mais o quase excesso de realidade da luz de Chabrol e de Zitzermann. A protagonista questiona alguém, a resposta é rápida, as dúvidas desvanecem-se. Segue-se isto: Sandrine atravessa a via, uma carrinha preta atravessa o plano, por causa desta e num vidro reflecte-se uma mesa e umas chávenas, notámos que a câmara está plantada num interior, a reflexão fica. Julgo ver fumo e a câmara faz um movimento para a esquerda, vemos a cabeça de uma mulher no interior, continuamos a ver Sandrine no exterior, percebemos que é um café e que um encontro entre duas mulheres se está prestes a dar. A câmara continua a virar-se para a esquerda e Sandrine entra no café, o ambiente torna-se mais naturalista, percebemos que Chabrol estava a pensar e a expor a luz para dentro. As duas mulheres encaram-se e o plano corta. Muitos motes estão dados, poderia falar no signo cruel que o “2” vai representar – e principalmente pares femininos – na desmultiplicação atroz e irónica com que a personalidade, os medos e as pretensões da personagem principal nos vão sendo entregues, subtilmente e aos poucos etc. Mas o que jamais poderemos deixar de ver e sentir é esta implacabilidade de uma verdadeira “mise en scène”, esta moral e esta lógica de perceber os elementos do mundo e os elementos do cinema, esta harmonia sobre as secretas correspondências do mundo pulsante e orgânico com a frieza da máquina. Ordem no caos, elisão da dispersão. E findado este plano tão significante, todos os restantes fotogramas possuirão esta lógica e esta clarividência, este requinte, uma força magnificente em que tudo parece estar certo e justo. Sem traições. E o que vale para este filme vale para os iniciais e para os últimos de Claude Chabrol, só não vê quem não quer.
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