(...)
"Depois vi os filmes dele, um por um, esmagado. Aqueles filmes davam-me razão. As lições de cinema e de vida do António davam razão aos meus medos e à minha raiva. Era isso, davam-me razão poética.
A maior coisa não sei dizer... para mim o passeio da menina com a garrafa de vinho no ANA são as mesmas emoções que os passeios de Ingrid Bergman em "Stromboli" ou a escavação dos amantes de Pompeia na "Viagem a Itália". Os gritos de morte da mãe Ana confundem-se com os silêncios suicidas da Senhora Yuki de Mizoguchi. O comboio fantasma de TRÁS-OS-MONTES tem a mesma fúria que o transe voudu no final do "l Walked with a Zombie" de Tourneur.Não posso dizer onde começa JAIME ou ANA e termina ROSA DE AREIA ou TRÁS-OS-MONTES. Não posso deixar de os ver sempre assim, ignorante de títulos, cenários, assuntos, histórias. Sei que, fatalmente, estarei sempre em igualdade com o momento visto, sem mais nem menos armas, sem mais nem menos emoções que aquelas defronte de mim. Só o presente existe, um fio sem origem nem morte. É comovente porque é uma pura experiência sensual da durée.O rapazinho de ANA... repare como o seu delírio febril parece eternizar-se. Todos os espaços reais e mágicos - quarto, capoeira, falésia - tornam-se a mesma coisa e já outra coisa, animados pela terrível energia dessa vida das formas que ele tanto respeitava e que lhe retribuía todos os segredos e todas as audácias. Eis um rapazinho perdido, suspenso no espaço imenso. Eis o próprio espaço imobilizado. O que o António e a Margarida tentam fazer é curá-lo da sua doença, que é o tempo."
Pedro Costa
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