quinta-feira, 11 de agosto de 2011






Os elementos são cruéis.
Para o vento e o mar
os homem e os seus problemas,
não são nada.

...

A lua estava baixa.
As árvores, silenciosas. . .
o ar, nebuloso.
O mar era profundo.
As rochas, negras.
A natureza estava indiferente
ao destino do homem.


É preciso ter-se caminhado muito, visto muito. É preciso ter-se falhado e acertado muito. Ter-se ido aos limites e esvaziar-se. Para recomeçar, com o fulgor dos grandes recomeços... Ter-se tido todas as certezas e abandonar-se aos mistérios dos tempos todos. Certo, "Anathan", última obra de Josef Von Sternberg, é um fim e é um princípio, de onde os meios nada podem e por isso mesmo tiveram papel essencial. Mestre da luz, do sumptuoso, do funesto e das demências carnívoras, do erotismo cortante, do seco fetichismo, da mise en scène voraz ou do fondu...aparece aqui, nesta estranha história de resistência e de abandono ao primitivismo e ao ser, despido de qualquer adorno ou utilidade que não a apreensão imediata, clara, concreta do que está em causa, do que está à frente. O que é tanto mais impressionante quando sabemos que tudo aqui é também a glória ao estúdio e às maquetes, em suma, ao falso. Que a natureza e os seus segredos insondáveis de sempre, que essa luz divina abarque e redimensione tudo a outra luz ainda, e que os corpos e os comportamentos nos surjam com o mais feroz dos vigores e de peso de verdade, de conhecimento ou de misticismo inerente, é o golpe de asa e o retirar do tapete. A poética cravada na ontologia, de todas coisas e do oficio de cineasta. Já nos tinham dito que "quanto mais artificial, mais real", e Sternberg ao usar de todo o decoro mas implacavelmente e vertiginosamente da máxima transparência (quase um livro de instruções ou um guia para principiantes) que alcança a máxima opacidade, diz-nos o que Godard nos disse de "Bitter Victory" - "“O que é o amor, o medo, o desprezo, o perigo, a aventura, o desespero, a amargura, a vitória? Qual é a importância disso quando olhamos as estrelas?”.


Também na sua assustadora lógica interna e reveladora, todas as cenas exteriores ao paraíso (tão cândido como infernal), ou seja, o nojo da guerra e do poder, são tratadas como elas merecem, varridas às três pancadas e assim cumprindo a sua função.

No centro da ilusão os corpos não enganam e a palavra obsessiva fere de morte, explodindo como centro a mais eterna das perguntas: o que somos ou podemos nós diante de toda a imensidão que nos engole.

O que valem as aparências diante da fatal e última nudez?

Que pode o cinema ou a criatividade ou o génio perante o mundo? 


(obrigado)

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