quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

 
 
Importa transcorrer sobre a estelar claridade da derradeira obra de Robert Mulligan, “The Man in the Moon”. Quando as voltas da vida se tornam confusas, conta-se tudo ao homem da lua, ele tudo resolverá dentro do sono dos terrestres. Saber muito antigo, infância. Entre a ignorância deste estado e a visão do primeiro caixão a descer sobre um buraco eterno, tudo se fica a saber para não se saber nada outra vez. As feridas existem para sempre em cicatrizações aparentes, e a irmã Dani acabará a conversar com a irmã Maureen e ambas a concordarem que talvez o sentido da vida seja não ter sentido algum. Seria bonito mais se pensar assim. Sempre. Belas palavras para o fim de uma das carreiras verdadeiramente mais sensíveis e secretas do cinema americano de todo esse período central.
 
Vislumbres e ousadias iniciáticas. O tempo a correr. Crueza. Verdade. Reconciliação. Mulligan traça o arco eterno, da gravidade à graça e talvez tudo só faça sentido recordando-o. Recordando-o para o sentir na pele. A vida de todos.

Dani. Maureen. Mas também Court. Todos eles se deixaram levar pela pulsão física e pelo irracional. Quando assim é e assim o é tanto nesta terra, o novelo emaranha-se e para o desemaranhar passa-se os trilhos dos infernos. É a história do filme e o seu tempo, que também pode ser o tempo de mais uma criança nascer para suceder a alguém que morre. Como as estrelas. Mas vamos lá recordar, antes que se faça tarde e não haja luz.

Dani, catorze loiros anos, curiosos. Uma menina que corre desenfreadamente para o seu éden que é de água. O já referido menino pouco mais velho que no mesmo ermo espaço a topa como esta veio ao mundo. Aqueles tantos olhares desejantes. À terceira é de vez e o beijo sonhado contra a própria mão aparece quando menos se espera. Aprende a palavra amar e o porquê do nó no estômago associado. Quer mais, tudo, os pés começam a fugir-lhe do chão. A noite normalmente terna anuncia e traz a tragédia.

Maureen, a mais velha do triângulo, na plenitude do seu corpo e aura. A desmesura e despertares de desejos alheios só a afasta mais de si, da felicidade possível. Dispensa os mil que poderia ter com um estalo de dedos, para agarrar o fruto proibido. Ama quem ama a irmã. Atira-se a pique aos antros de perdição. Sem fechar os olhos para consequentemente quase os fechar eternamente.

O rapaz, errante pêndulo. Do nada aparece. Quer, não quer Dani. Perde a cabeça, recupera-a racionalmente. Descobre outra vez no acaso a irmã dos sonhos, atira-se como ela. Consuma. Embrenha-se. Mas como o destino perverso pode desatar nós…

E depois…a morte. Ficam elas as duas a chorar muito. Vai desaparecendo o roedor bicho do ciúme e da inveja que assolou. Enleadas pelo anjo Mãe e pelo dilacerado Pai que magoa sem querer. Por aquela tocante completamente desamparada Mãe de Court. E os espaços começam a manifestar-se. A agirem. A falarem. A queimar. Tal como antes aquela floresta cegante de prata a negro que vociferou trovoadas secas sem bênçãos ou ouvidos da Santa Bárbara, nesse momento crucial de primeiro sangue derramado, como todos podem ser. O lago que para Dani como para o seu Pai compensa as idas à igreja. Lago de brilhos e caules fantásticos que se volvem esclarecedores. Volta-se sempre a um cemitério e aí os três juntos para um sempre, morte vida para um sempre. União na terra que a todos abraça seja como for.

E depois…

Nada sabemos. Porque na verdade o filme abriu com uma das meninas e Elvis Presley a cantar, a letra era sobre alguém que ia despender a vida ao lado de outro alguém. E começou também com uma lua enorme, enorme sobre fundo preto. A câmara desceu, desceu muito, enquadrou ramos, uma casa, meninas pronta para dormir que buscam ainda significados existenciais. A câmara deixou-se ficar um hiato cá em baixo, o hiato preciso e…voltou lá para os cimos recordando-se a história do homem que trata dos problemas no escuro, enquadrando novamente a lua para fade to black. Câmara que se abriu sempre ao espanto de tanta beleza, tanta cintilação, todas elas, e acolheu, entre o desvelamento fixo e as panorâmicas sacras. Entre altos e baixos, a mais bela das lições, a única sem moral castradora, que nada sabemos.

Choros por visões assim à infinitude. Incatalogável poesia.

Obrigado, Robert Mulligan.

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