domingo, 11 de outubro de 2015
"Nightmare Alley" é um filme devastador e magnânimo na pura descrição das acções e dos intentos humanas, em 1947 quando saiu a ferros ou naturalmente, hoje remasterizado nas altas definições, ou muito muito antes de o cinema ter sido inventado ou sonhado. Edmund Goulding, o realizador no comando, meteu lá dentro todas as suas obsessões e práticas carnívoras, ideais, realidade e diluição. Jules Furthman, com a sua pena que vislumbrou e alumiou Paraísos Infernais nas alturas e amplitudes dos anjos ou duelos com amizades e justiças no velho Oeste, foi ao fundo dessas experiências todas para tocar no fundo de tudo. Dessas raças e estirpes que parecem ter estado onde a maioria dos outros não estiveram, e por aí terem feito e sentido esse invulgar. Um filme, literalmente, omnívoro.
Entre tantas mulheres, terrenos, alta e baixa sociedade, visco e champanhe, libido e bílis, a figura omnipresente e omnipotente é a de Stan, Tyrone Power possuído ou ludibriado na tal impossibilidade lógica. Do seu pequeno carnaval original, esperto e honesto nessa desimportância do truque e do amador, vai entrar por esses proibidos vórtices devoradores onde alguns se deixam apanhar e cegar na luz incompreensível do domínio universal e da metafísica prodigiosa que prometem o absoluto. Se está na sua natureza e se ele é mau por excelência, ou se foi o mundo mau que o perfurou e moldou, ou não interessa pois nunca o iremos saber ou é tudo a mesma coisa. Mas já o sabíamos, tipos como Goulding e Furthman provaram da perdição e da desgraça, do chamamento incaracterizável que só pode ser calcinado na superação pelo absoluto contrário, e não têm medo de o contar.
Finados os horrores e os traumas da guerra quente ou fria, do medo e das lobotomias várias, Stan agarra e representa o ciclo vicioso sempre a nós prometido, e no seu dia-a-dia, no seu modo de vida, no seu caminho, explora outras pequenas guerras, extermínios, revelando e desadormecendo a potência monstruosa que sofisticamos nos séculos e séculos de inteligência e poder. Na sua ânsia da mulher perfeita, do palco perfeito, do brilho mais feroz, chega-se ao lado dos segredos mais aterradores, dos sepulcros que deveriam feder, violando-se silêncios arredios. O ar do tempo e o lixo no solo não permitem mesmo destrinçar o Bem e o Mal, mas os da mesma laia, morfologia ou esses possuídos reconhecem-se, como se reconhecem os charlatões, os idiotas e os destinados. Stan encontra uma sua igual e cega-se cada vez mais, quer dizer que depois de tanto subir terá de cair mesmo a pique, em cheio, a seco, estremunhando Deuses e Monstros. Os da raça imparável, da inteligência infinita, sementes e desenvolvimentos contíguos e inelutáveis. Primeiro foi o céu, depois a danação. E tanto estremeceu e se compôs o circulo que atrelamos outra vez ao princípio dos seres, traçado e mensura, selva, pré-história cósmica. O final, o eclipse, é Adão e Eva provadas tantas outras tentações. E o Cinema serve para isto, devastação e ressurgimento, aurora. Dali, todos os percursos e paixões abertas. Goulding e Furthman, da generosidade.
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