terça-feira, 17 de novembro de 2015



Os gritos, os uivos, o gelo dos pesadelos e a melodia fantasista e assombrada do Over the Rainbow criada para Feiticeiros de Oz entrelaçam-se em “I Wake Up Screaming” para uma ultra realidade assomar monstruosamente entre o caos urbano e as mentes ludibriadas pelos sentimentos e pelo caos outro e ainda mais mortífero das paixões. Em 1941 “Citizen Kane” partiu do mítico para ir escavando até à infância e aos pretéritos empoeirados pelas películas do tempo, mito novamente; nesse mesmo ano, Bruce Humberstone, um Orson Welles a olhar das valetas e dos tascos e becos das luzes indefinidas das sete e pico da manhã, instala-se nas delirantes espirais da sede de fama e do clamor das luzes da ribalta para descarnar e estripar as lendas e mitos da sedução Hollywoodiana. Toda a parafernália e paracinema em revelação ontológica. Não há culpados por aragem assim viscosa e por chão assim deslizante, caldo espesso de brilhos lânguidos onde a mulher sonhada no berço e redimensionada adultamente escancara a perdição mais antiga, imemorial, inata. Mulher que se desmultiplica, magnetiza, fende, solda, tudo a uma imagem autofágica; em visões impossivelmente ideais que ao perderem a nitidez e o humano encorpam o altar dos mortos; mulheres que regressam dos túmulos em salas de projecção e logo perto, em espelhamentos, nos quartos de dormir ou nas paredes do cérebro. É assim o paradoxo que atravessa todo o Cinema Americano que importa, a sua esfinge e a sua bruteza: Victor Mature é apanhado numa massa ferruginosa, em ângulos desequilibrados, coberto de luz escanifrada e dura, exausta e enforcada, condenado; e todo esse pesadelo inenarrável, sonho Kafkiano, teia Freudiana, Vertigo (semente, bastardo, remake de outra vida do filme de Hitchcock) que cobre igualmente todos os outros bebés grandes e medrados, é enformado e imediatamente superado por um Agora absoluto de ruídos, texturas, morfologia, enfim, corpo que é o do nosso mundo quotidiano e sensível, antes de Deus e da prece; para se chegar ao fundo das coisas, passa-se pelo delírio delas; aceitação e libertação. Over the Rainbow, Street Scene orquestrada por Alfred Newman em cima de noites de mil olhos e mil perfurações. No desenlace, nenhuma conclusão, ponto de chegada, apenas mais um enlace de corpos que nessa bruteza à Botticelli promete todos os imprevistos. Entre “Citizen Kane” e “I Wake Up Screaming” tanto caem os patamares e os juízos de valores como os filtros e os pilares da patenteada realidade. Para uma dança e um vínculo e uma solidão perpétuos. O que os novos mestres do motion grafics, dos after effects, das composições photoshop e afins, especialistas e opinion makers para Curriculum Vitae, o que tais não lhes cabe na cabeça é que aponta-se a chamada câmara ou a língua, foca-se, pensa-se, e a complexidade bruta da paixão ou do ódio, o nosso ajuste e a nossa construção singular, comporta os filtros mais avançados alguma vez criados em laboratório. Sem acordo. Sem compromisso. Inatos. 

1 comentário:

Unknown disse...

Li e ouvi falar muito bem deste filme. A ver...

Bons filmes,

www.cinemaschallenge.com