Com “Exodus” Otto Preminger
atira-se para as incomensuráveis escalas em irresolúveis
tabuleiros (a ruína ameaçadora de "Anatomy of a Murder" ainda era sustentada ao mesmo nível pela serenidade de James Stewart). Planando e escavando no abismo as salas irrespiráveis ou
a largueza do primeiro plano deste filme comportarão a mesma
compressão atómica. A missão do Israelita de Paul Newman ou a do
árabe que ele enterra no final vai da nobreza clara até à
mortandade inominável; os montes sagrados que eles pisam, respiram e
contemplam têm inscritos as câmaras de gás de Auschwitz; Moisés
trazido no instante da paixão que une todos os povos entrelaça-se
nas utopias de Hitler que circundam cada balão de oxigénio e cada
ocaso de fulgor dourado. O momento mais belo poderá ser o da
história contada pela menina loira, que também será enterrada
inacreditavelmente ou normalmente, ao Sal Mineo que deve ter queimado
as pupilas nos limites que experimentou e já não destinge nada –
história de fugidos, de reis e de fraternidade. Lembrar-se-á dela
um dia, talvez quando não consegue atirar terra para a futura
mulher, antes de partir furiosamente para a guerra, depois de o seu
rosto mostrar que percebeu a inconsequência.
E a inconsequência já faz parte da
descomunal dialéctica do duplo funeral, dois seres opostos unidos
abaixo da terra, onde se chega à conclusão de que só os mortos
partilham a paz; onde se reconhece que a terra final é a terra
universal e aí a partilha é absoluta. Essa dialéctica, ou seja, o
embate cego, surdo, mudo e sangrentamente omnívoro, estilhaça e
extravasara no poder de fogo e no fogo que se escuta e se humilha,
nas bombas que se impõe à inteireza do discurso de Newman, a terra
a arder em combate com o rosto grave, cavado e já angélico de Eva
Marie Saint – figura do incompreensível divino. Maria, José, os
meninos, a terra prometia por que lutar, e mesmo assim o Apocalipse a
cantar. Mas igualmente incompreensível e terreno é já o epílogo
sempre prometido à raça – homens, animais, bichos e santos
cavalgando para a morte, depois de no segundo anterior a terem olhado
de frente e de dentro, à procura da paz do eterno e da justiça
abstracta de que se falou. O apuramento do plano-sequência de
Preminger surgiu pela necessidade de ver melhor tudo disto, fielmente
e duramente, prendendo os opostos como a lucidez e a loucura no campo
comum. Perene contradição e descomunal olhar que tudo abarca - os
próximos filmes de Preminger iriam aos confins materiais e
metafísico para exporem deste tipo de inferno na aparente
normalidade e na aparente seriedade – em eterno retorno lá para
1965. Acima da terra da nossa paz.