sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

«Zidane tem o lado misterioso que rodeia as estrelas. É um mito capaz de despertar emoções nas pessoas, nem sempre positivas. Não é uma estrela sem problemas, não é um indivíduo gentil. É capaz de qualquer coisa e isso faz dele um deus humano.»

Raymond Domenech, “Le Monde”

John Garfield condensa o máximo de aprumo e o máximo de suplício. O bloco perfeitamente depurado à pedra bruta. O tremor em definição. Deve ser por isso que Jean-Marie Straub o eleve tanto em película como fora dela. Em “Force of Evil” a sua personagem é também uma estrela do seu meio. Resolve o que tem a resolver, escava a solução escondida, desbloqueia o caminho. Sempre em alta cilindrada. Impossível de travar sem choque mortal. E não pensa que está a cometer o Mal. A planar nas suas sendas. Não sabe do que trata tal coisa pois nele esteve sempre metido. Não faz sentido. Muito menos o remorso. Não se recorda do antes e para um depois só a tragédia lhe desvenda a outra face. No seu terreno, no berço, no leite materno, onde o medo operou em cada acto, esquina e hora, foi o que lhe calhou. E querendo responder ao medo tornou-se o melhor da sua rua. A estrela. O Deus da luz indefinível. O dinheiro, a traição, os balcões dos cafés das seis da manhã, os cigarros em consumição, o clamor da carne, a morte a cada segundo no coração, no ar que se respira, a fidelidade. Deus, moral, amor, ensinados como a qualquer criança. A inteligência nada mais é do que seguir as correntes vitais. Homem capaz de muitas coisas. Do mais rasgado estender de mão até à cobardia degradante, a fórmula de grandeza segundo John Steinbeck. A bíblia sagrada com o velho e o novo, os livros, capítulos, versículos. Nos cúmulos orgásticos de “The Sign of the Cross” de De Mille – a víbora a tentar em torno do anjo e o desporto da raça perfurada – travam-se de razões a fé e o poder, o canto e o barulho, o sexo e o amor, a fossa e o divino, a beleza e a sua anátema – para na ascensão final se virar as costas a tamanhas dialécticas em direcção à chamada silenciosa. O rosto de Garfield, esse pequeno rectângulo espacial, em alegria, terror, desarmado, genuíno.




«Of all the Marxists who came to Hollywood, Polonsky was the most successful – single-minded, if you like – in setting the capitalist ogre within a gilded narrative frame. The scripts for his late-forties trilogy on the profite movie (Body and Soul, Force of Evil, I Can Get It for You Wholesale ) reveal characters so obsessed with money as to make Greed, by comparision, look like A Christmas Carol.»

Richard Corliss, “Talking Pictures”

Abraham Polonski conheceu e viveu pelas arestas da sobrevivência, e não perdoa uma nem se escapa a uma. A cena da matança derradeira tem a inevitabilidade de toda a ambição humana. No barril de pólvora completo só a explosão liberta. Nesse fogo, a sombra ajusta todas as contas. Orienta os estilhaços. Uns para um lado, outros para outro. Cena que rima inevitavelmente com Garfield a unir-se ou a entrar na menina inocente. Os seus fundos e as superfícies destacadas numa claridade que vale por si. Foram um ter com o outro e essa é a história. Ele diz-lhe do medo, da solução única, da verdade. Ela diz-lhe que só sabendo do mal não consegue deixar o mal. E a tragédia destapa-se toda. Revela-se lá no fundo das escadas todas. No centro do mundo. Onde se descobre que a vida é longa e o fim a acompanha. Foi preciso descer tudo para se revelar a altura dos homens. John Garfield e as lâminas circulares dos eternos retornos. Dos mármores e dos mitos. Da alma e do sangue. Polonski e Cecil B. DeMille, o realista e o fantasista, tão longe e tão perto como o corpo e a alma podem estar. Na descida e na subida, a falarem e a encontrarem-se.

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