Cinematograficamente belo é o primeiro
quadro do genial “Barry Lyndon”, atmosfera indefinível onde a
presença de espírito alguma vez experimentada ou simplesmente
pressentida faz sentido; ou uma aurora de David Wark Griffith, o
acordar do mundo em consonância com o espanto de um novo olhar
impresso na nova película. Mas também a entrega e a perdição e a
garra de Robert Kramer nas suas viagens aos confins de tudo, rumo a
pessoas. Mas um pouco ao lado das esferas cósmicas, ou precisamente
envolto nelas, uma mulher a unir-se a um homem, ou um homem a unir-se
a uma mulher, por crerem sem ver o mais secreto da sua existência, é
do mais belo que o tão desconhecido universo e o tão desconhecido
cinema pode oferecer.
“Three Days of the Condor” é uma
narrativa de espionagem, de ar do tempo e futurologia, mas é também,
ou acima de tudo, um esplendor estético simples, desses sem
qualidade demarcada ou controlada; essa aceitação sentimental de
dois seres que se aceitam só pelo olhar e pela temperatura e tremor
de um corpo ascende à categoria indizível das emoções.
Evidentemente que no prólogo há armas, ameaças, altercações, mas
nunca olhares mentirosos sobre o fundamental. Robert Redford é um
peão num jogo que ultrapassa os comuns e no momento de aflição
recorre ao acaso. E vira-se para Faye Dunaway, a fotógrafa que
escolhe os meses incaracterizáveis de Novembro para mesmo assim
esvaziar a paisagem, deixando só os aros de suporte de todas as
coisas. Redford, ao vê-las e ao elogiá-las, vê-a a ela e elogia o
seu recôndito.
Mas o tempo e o cerco ao mundo continua
a girar e Redford sai para a luta. Volta a casa e redescobre que só
nesse ser que tem algo magoado nas expressões básicas pode confiar.
Tinha-a prendido, mas ela solta diz-lhe que não tem de a amarrar
mais à força. Depois brota o inadjectivável e o patético da
paixão, aqui reforçado pelo insólito do tal acaso - falam das
coisas que só se mostram aos muito íntimos, do que só se deve
contar a um, do inseparável. E a noite do amor chega tão de
rompante como o encontro deles, misturando-se os corpos com os
segredos, o desejo com a libertação, o fixo com o movente, o fugaz
com o pleno, de onde a morte fica parte relativa.
E aquilo que poderia ser um beco da
humanidade e do poder feio como o grão surgido nas emulsões que
quer espreitar torna-se belo por esse sol que se decidiu a brilhar no
buraco longínquo. Vai entrar no filme obrigatoriamente o ritmo da
acção e o laboratório do argumento, a calibragem no gume da faca e
o jogo de espelhos e reflexos; mas no centro dos massacres e dos
desesperos globais, aquelas duas criaturas escondidas vão brilhar em
resgate – a despedida na estação de comboios típica das
despedidas é a possibilidade de salvação global pela entrega sem
freios. O desenlace garante da imprevisibilidade absoluta, estacando
o filme no realismo necessário, mas a luz de Frank Borzage já tinha
eliminado pelo menos uma grande porção de sujidade.
“Infortunadamente, a culpa
não é nossa, mas sim da nossa fragilidade, / porque assim somos,
tal como fomos criados!” escreveu Shakespeare em “A Duodécima
noite”. A propósito de um filme de Sydney Pollack que nem é dos
mais representativos do seu tempo só expõe da irresponsabilidade do
par central que passa todo o tempo a velar-se de tudo e de quase
todos, na treva presente. Irresponsabilidade, aquilo que Redford
também desejou para o suposto mecanismo perfeito da Nossa
organização. E que ele pelo medo mas sobretudo no ápice do
sentimento decidiu enfrentar. “Three Days of the Condor” é um
filme muito belo, pois no ápice do degredo ainda se ousa o amor,
trocando-se o suicidário pelo sublime singelo.
* Ver, se ainda possível,
na versão não-remasterizada, essa original onde nada foi limpo para
efeitos datados. Os escuros sem medo de se escurecerem; o grão
pulsante, fervente, esventrado ou sossegado, nunca amansado; as
sombras como os brilhos e as almas, tacteantes.
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