“The Killing” não é um mecanismo
perfeito, um relógio suíço montado e mantido à maneira de
Jean-Pierre Melville. A começar pelo actor mais visível do grupo
que almeja o golpe das suas vidas - longe da possibilidade de ser um
ponteiro firme como o foi Alain Delon, Sterling Hayden, talvez ainda
agitado pelos ventos e fogos de “Johnny Guitar”, treme por todos
os lados e ainda por cima tem o destino a fazer-lhe marcação
cerrada.
No grupo há pouco ou nenhum
do sangue frio necessário para tais movimentações e timings, e a
forma como Stanley Kubrick monta o mosaico ou o explosivo apenas
manifesta o antro de perdição em causa e a incapacidade dos
artifícios formais e do génio da manipulação artística para
investir contra a ontologia puramente e fundamente humana. Casais
criados pela manipulação do sexo e do dinheiro, solitários
mantidos em acção pela violência a testar, a doença e a
fidelidade e o vício indomável em atracção, é desta matéria
composta as almas e os corpos em pulsões turvas e turbulentas, que
terão de funcionar como o tal objecto imparcial do tempo e do espaço
científico.
Ao invés da ciência será
o sagrado a advir, isto é, a imprevisibilidade, a transcendência, a
síncope que a missão humana ostenta em relação à máquina. E da
gama de sentimentos ignóbeis que cobrem e riscam a crosta do preto e
branco para também lhe retirar a gaveta do género noir, há
resguardada a noção e a luz clara de que nem todos são assim tão
odiosos. Ao invés do circo da política, do circo das finanças ou
do circo da segurança social, da polícia e da lei, enfim, ao invés
das autoridades protegerem as pessoas, a carne e o osso, os cidadãos,
os frágeis, a nação, etc., parecem eternamente trabalhar contra
eles – nunca se há-de compreender o grande paradoxo da chamada
sociedade oficial e é isso que faz cair os protagonistas deste
filme. Ao invés de a política servir as pessoas, faz-lhes a vida
negra, e é isso que faz cair os protagonistas deste espelho.
Depois de tanta coisa feia,
o final é o instante mais feio, essa cena desconsolada logo depois
do acaso da ciência e do acaso do sagrado se embrenharem. Porque
entre tantas girândolas contradiz ou continua o desfecho do anterior
“Killer's Kiss”. Ao abraço sucede-se um abandono de um desejo
tão lindo e, sem dúvida, puramente inocente. Yeah... What's the
difference?, responde Hayden ao amor incondicional, e tudo é
desamparo e armas apontadas, suplício e Apocalipse. A cruz de KK
invertida, a negação em hipótese, e o resultado de tanta perfeição
dos nossos altos. Mas já a possibilidade de uma moral de toda a obra
de Kubrick: toda a espantosa precisão só revela da destruição. Ou
seja, uma generosidade que tem de permanecer trancada. Porque em
primeiro ou em último plano demencial.
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