O pior pode não ser matar ou destruir,
pois os homens morrem mas também nascem, as cidades podem ser
reconstruídas, e a vida não acaba pela violência. O único
imperdoável, mesmo com as escrituras na mão e os credos no peito,
chega com a humilhação. A juventude torna-se velha. Os próximos,
irmão, ente queridos ou amantes deixam de se poder olhar olhos nos
olhos. Todas as coisas que os antigos passaram aos novos podem cair
por terra. Gentileza... dignidade... o respeito pelos fracos... a
bondade... tudo na lama da humilhação terrena. O inaceitável.
Assim fecha “Le soldatesse” de um Valerio Zurlini plenamente
comprometido com a humanidade de cada situação e de cada ser e
nunca pondo qualquer dramaturgia ou efeito de cinema a valer por ele
mesmo - uma panorâmica logo consumida em fogo imbatível ou a
frontalidade possante que augura uma eternidade também ela
humilhada. O sublime dos sentimentos e das emoções a transcenderem
todos aqueles espaços e toda a pressão da jornada, até ao poema
final onde nuvens, escuridões e plenitude tudo fundem.
Tal como “Westward the Women” do
ziguezagueante guerreiro William A. Wellman ou o recente “The
Homesman” do clássico e dançante Tommy Lee Jones, urge
transportar mulheres em território perigoso, mas as perenes tensões
e desejos entre elas e os homens misturam-se com a guerra que a raça
leva a todos os lados. Em Wellman a rocha bravia e as setas do velho
oeste americano, em Lee Jones o mesmo e o ouro a brilhar ainda mais
cegantemente, em Zurlini uma guerra mundial, o berço da civilização
e a beleza original e indizível, outra vez um território ocupado
por alheios, a esfinge feiticeira de Anna Karina e uma muda ainda
mais indecifrável. E soldados que escolheriam a malária ao medo,
parábolas sobre a fome no deserto e sobre a fome causada pela
irremediável dor que teimamos em renovar, prostitutas angélicas e
anjos queimados, sexo consumado e amor eterno em olhares, sonhos
justiceiros e risos desculpáveis dos vinte anos.
Por entre cidades dos mortos e
cemitérios clandestinos filmados e montados com o peso e a
funcionalidade efémera do indesculpável e cigarros trocados com
olhares e timidez infantil envolta pela luz do mais luminoso cinema
italiano (Karina e Milian na combustão do amor numa cena tão bela
como a dos fumos entrelaçados e do prometido enlace entre Eleonora
Rossi Drago e Jean-Louis Trintignant no etéreo de “Estate
violenta”), Zurlini força uma retaguarda intransponível mesmo que
sem perdão às invasões e genocídios rasteiros demais; sentinela
que deseja e chega ao aceitamento da ausência de tempo e da união
dos espaços – para lá do físico, da morte, da distância, da
separação, das leis e dos matrimónios demasiado burocráticos: a
certeza de um outro lado, e como se redime quem já não está
presente?, como as lições inapagáveis dos antigos. E tudo isto só
foi possível e se acredita pois Zurlini olhou e tudo ligou com a
sensibilidade da justeza, que é a do coração em alerta, a bater em
todas as latitudes e com todas as intensidades, patrulhando cada
palmo, certezas e temores lado a lado. Sem a mentira ou o pedestal do
estilo. A pureza proibida.
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