"The Nickel Ride", Robert Mulligan, 1974
"Nickel Ride" refers to the act of police officers throwing suspects into the back of a police transporter. The suspects are left without restraints and are thrown around due to the reckless driving of the police, who intend to harm the suspect.
urban dictionary
“The
Nickel Ride” é, como muitos filmes de Robert Mulligan,
extremamente realista e sempre a deixar escorrer por entre as brechas
do concreto a luz indefinível e o som de espanto dos sonhos. Um
realismo aqui depurado pelo formato largo e pela crispação das
lentes da máquina de filmar, lutando sempre com espaços reais nos
quais os ângulos não estão à mercê como nos estúdios, e onde
tanto o imprevisível como a redefinição espacial cinematográfica
se travam de razões para surgir uma gravidade na
relação das pessoas com o meio que é tão próxima ao filme
noir (“Lady in the Lake”,
“Chinatown”) como
aos jogos de vídeo first-person shooter (“Doom”,
“Turok”) em fuga para a frente dos "Tomb Raider", acabando no neo-realismo Rosseliniano (“Viaggio in
Italia”); por causa de uma suposta ausência de estrutura narrativa
e de uma lógica de mecânica reconhecível, e por não se encaixar
em géneros que não pretende mas que somente faz lembrar pela
iconografia que se tornou parte do quotidiano – do western
ao policial – este belo e triste filme de 1974, talvez o ponto alto
de uma sensibilidade caseira que milagrosamente se safou na
industria, foi arrumado como perfeitamente ilógico e patético na
sua construção. Ainda, segundo os comentadores, a sequência em que
o sonho e a realidade se literalizam, se mesclam, já perto do final,
excedeu o ridículo e deitou tudo a perder numa empreitada que pelo
menos pelas ambiências e pelos actores se poderia safar nas duas ou
três estrelas do quadro crítico. Mas essa maravilhosa sequência em
que o personagem do mais magoado e raro actor dos anos setenta -
Jason Miller, ainda fuzilado nos olhos pelas chamas e pelo gelo em luta do seu Padre Karras no "The Exorcist" – adormece e sonha que o neo-cowboy
o vem terminar (como terminar se dizia em “Apocalipse Now” para
não ferir susceptibilidades oficiais) ao seu lar alternativo para
aonde fugiu com a sua menina impossível (Linda Haynes, frágil e
bela como Judy Garland e Lee Remick fundidas) - “They Live by
Night” hipnotizado pelos néones do pós-modernismo globalizante e
o cheiro da fritura dos Mcdonald's – é somente o paroxismo da
questão deste filme que é a questão da América desde os remotos
tempos da Guerra Civil até à actualidade das fronteiras que se
querem fechadas – entre o espaço intimo das paixões, da verdade e
da família (a cabana de Michael Cimino às portas do céu) e o sonho
americano em que impera a
velocidade, a distância e o jogo ambíguo (hustlers,
gamblers, pool
sharks...), existe a soma, ou
uma dívida que muito dificilmente não se pagará, cheirada pela
tragédia até ao recanto mais insignificante de uma nação
desmesurada. Conclusão fundamental, TNR não tece sobre a figura do
looser
como uma parte importante da arte americana,
mas antes constata as profundas desilusões das grandes promessas,
onde fulgurantes ideias e abstracções idealistas que moldaram uma
ilusão de sociedade perfeita (constantes New
Deals ou democracias avançadas)
surgem longínquas na solidão do indivíduo atirado às feras.
Então
a sequência central não será essa mas um instante filmado com a
funcionalidade de um realizador clássico da poverty row
que tem de entregar ao montador as filmagens da obra de dois ou três
dias para este sacar in extremis
uma peça acabada: Cooper, assim será o nome verdadeiro desse homem
que fez escola no submundo e que foi (ou é) na sua área um
doutorado ou um King of Los Angeles - o
tipo e a sua inteligência a espalharam magia pelo mundo dos armazéns
manhosos (warehouses,
que não por acaso se pode fazer confundir com whorehouses)
e pelos becos da perdição volvida salvação (ou vice-versa) -
encontra-se pela primeira vez com um jovem deslocado e excêntrico
que poderia ser o novo John Wayne da East 5th Street se este lhe
tivesse dado a sua bênção que nunca lhe daria (demencial Bo
Hopkins, inclassificável e arrepiante deformação da década em
questão); estendida a mão ao mito, o novíssimo logo dispara com a
precisão duvidosa e o sentido de humor sem humor dessa raça de
moral inclassificável e peçonhenta como banha de cobra: «Babe
Ruth, Marciano, John L. Sullivan and The Key-Man, whos the
greatest?», e fala em aprender,
relação aluno - mestre, com a mesma veemência e o mesmo espanto
derretido que nos anos noventa alguém prestaria a Michael Jordan;
para Cooper, o Homem-Chave em vários sentidos, lhe dizer que não
sabe responder pois os outros estão todos mortos e ele é o único
ainda vivo. Ainda,
que tal como foi,
é condição fulcral do sentido e da respiração dramática do
percurso que contém a amplitude de um último suspiro, um last
hurrah. E se logo na interacção
inicial entre o velho e o novo esse novo lhe puxa os pés para a
cova, o velho não deixará os seus créditos por mãos alheias; será
na sua moral de ferro, no seu classicismo, na velha guarda ou na
ratice, enfim, no que os antigos costumavam apelidar de respeitinho -
que seria por coisas como valores sagrados e invioláveis - que irá
buscar forças para sair por cima, a força que a juventude e as
agruras da consciência lhe retiraram mais do que o tabaco em volumes
(mais uma vez o Lucky Strike em predestinação), salvando ainda
qualquer coisa de um código que sendo violentíssimo conservava lá
dentro uma dignidade ou uma fidelidade superior que o niilismo por
nada – nem por Nietzsche – jamais foi capaz de entender. The Key-Man, o tipo que fez sempre tudo bem já é lenda, e está fora de moda, pois continua a tomar o seu tempo e a fazer como deve ser feito na sua área de excelência; é preciso dar lugar ao Novo que resolve tudo com a caçadeira em punho (ou apertando o botão nuclear sem consciência) e o abjecto natural.
Um
suspiro grandiloquente e abafado, que se expira na passagem forçada
do comum à lenda, do homem simples na sua condição e circunstância
ao altar ou ao museu do esquecimento que dá jeito para o espectáculo
continuar; Cooper é assim irmão do Cosmo Vittelli que Ben Gazzara
generosamente ofereceu ao humanista John Cassavetes no “The Killing
of a Chinese Bookie”, um corpo celeste, porém jamais sacralizado,
aceitando o degredo como o brilho precioso, que força a barra
prometida do extermínio sem dó oferecido aos tais valores irrevogáveis
porque cimentados em séculos de resistência, para atingir uma pequena eternidade que mais do que
grandes discursos ou retórica exemplar tem a ver com a música do
último plano, no qual um corpo já começa a arrefecer dos múltiplos
fogos que ainda presenciamos nesta recta final quando entramos
espectadores: a luz estonteante do milagre de mais um novo dia, uma
cantilena da infância, esse irresponsável prestigiador ou palhaço
que por uns segundos o faz esquecer dos negócios e das jogadas,
mundos de sonhadores e de caciques embrenhados, que pergunta ao homem
de fato como vai o mundo e o faz escolher entre relógios, colares,
roupa interior, amuletos, patas de coelho ou medalhões... a dama da
sorte que só ele entenderá dessa maneira. A sorte da fidelidade que
abre os portões do paraíso, como no plano finalíssimo; que joga
com a festa de anos oferecida pelos amigos ou a da mulher e do melhor
amigo, na qual outras cores emergem magicamente da pungente realidade
que parece querer esganar cada um deles, onde os carrosséis ousam
animados pela varinha mágica de um Vincente Minnelli, sem se pensar
na coerência fílmica, ou antes elevando-a rasgadas as ataduras
teóricas; nesse instante a gravata cai, aparecem meninas possíveis
a dançar e gorilas a quebrarem barras de aço, féeries escondidas
na consumação fugaz e total do ser original escondido em cada um
que não quer ser definitivamente engolido no polimento social. De
seguida, batem à porta os factos e o maluco sem freios volta a
colocar os travões e a fronha da sobrevivência; combate e
dialéctica de sonhos e pesadelos, o sonho e o falhanço do sonho,
responsabilidade e assunção, os tais que perdem e apostam o dobro e
os que pensam mais além; Robert Mulligan não faz de ninguém ideal,
e tanto é tocante e certo Cooper como aquele boxeur
orgulhoso, tentando sempre
entender a contradição com essa câmara que de tão larga e aberta
às rugas parece estar sempre prestes a cair no espaço sideral (Fgrav = (Gm1m2)/d2 com o mistério da película e a emoção, sem resultado matemático). “The
Nickel Ride” é um grande e minúsculo fresco Americano.
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