leituras - 2017
Estava aqui a tentar escrever algumas
coisas sobre a folha e o livro que mais gostei em anos e algumas
dúvidas estúpidas ou não puseram-se a dizer-me que talvez devesse
falar de Agustina Bessa-Luís, de Thomas Mann... sei lá, de Tolstói.
Mas vou falar, enfim, divagar, sobre
“1933 Foi Um Mau Ano”, sacado da vida de John Fante por ele mesmo
e apenas revelado postumamente; Fante, o ídolo de Charles Bukowski,
e também ele, dizem, um tipo instável, com gosto pela pinga e pela
vadiagem, carregou a sua escrita de dúvidas existenciais antigas,
fastidiosas relações entre filhos e pais e o resto da equipa, a
importância do modo de vida, traição e fidelidade, as origens
familiares, o catolicismo... mas com um sopro de vida, de carinho e
de humor tão terno como descarnado e por isso violento que ler-lho é
estar num qualquer bar tarde na noite ao lado de alguém muito jovem
mas já tão calejado que pensamos que esse sabe tudo e possui o
segredo fundamental.
A Agustina visionária... um Thomas
Mann fáustico... o Tolstói lúcido demais... mas o que Fante
consegue nestas linhas que à primeira vista qualquer um poderia
escrever nem é fazer recordar a infância, impor a nostalgia como
uma ferida aberta sem chances de cura, trazer a saudade com
lágrima... o que ele consegue, pelo menos para mim, é que tudo isso
volte a ser, a estar, presente e até irremediável, mesmo que por
uns breves segundos mais o respectivo bónus de ficar a ressoar. E
depois cada um pode voltar nesse hiato a calçar as chuteiras ou o
vestido de fada das bailarinas minúsculas... voltar a estar com o
melhor amigo nos balneários velhos como o mundo do antigo estádio
1º de Maio em Braga à espera que o sisudo treinador anuncie o
resultado dos treinos de captação e perceber antes da idade o
material de que é feita a angústia... voltar a correr para o jogo
de andebol no ABC de Braga, esbarrar com o Carlos Resende e ficar a
pensar que se esbarrou com Deus e que é pecado para logo se escutar
Deus pedir desculpas... assistir ao Sporting x Benfica da época
1993/94 e ligar e desligar a televisão à espera de melhores minutos
até o ratinho eléctrico João Vieira Pinto sacar as mais belas
fintas da história, os movimentos mais loucos e graciosos, a
perfeição de um desenho animado, o sonho... sua alteza das nuvens
Michael Jordan no seu último céu pelos Chicago Bulls em 98, bigger
than life, uns míseros pós de tempo e aqueles cestos seguidos, o
roubo de bola ao carteiro Malone, o disparo no tudo ou nada, a beleza
em explanação, a décima sinfonia de Beethoven, o milagre com
provas... a primeira vez que vimos a nossa Becky Thatcher no pátio
da escola comum e as maças vermelhas no rosto a formarem o prenúncio
do novo mundo.
John Fante, argumentista falhado, de
bibliografia escassa, sempre a afagar, a tentar safar, conseguiu
devolver o que se julga impossível e incomprável pelo menos a um, e
assim já não há dúvidas estúpidas ou macaquinhos no sotão que
sobrevivam. Full of Life, dude, thanks very much.
E um bom 2018 para todos!
Sem comentários:
Enviar um comentário