Hondo, John Farrow, 1953
Produzido pela Wayne-Fellows
Productions de John Wayne e Robert Fellows, “Hondo” é um filme
de família e, como está implícito no nome da produtora, de amigos.
John Farrow não é um indiferente tarefeiro e a sua fusão a
Salvador Dalí no surrealista “The Big Clock” é mais um daqueles
casos que tiram todo o tapete a quem vem com ideias escorregadias
sobre a velha Hollywood. Na abertura, típica de qualquer western,
vemos o forasteiro sozinho, a caminhar de movimentos e semblante
ameaçadores, com a arma em punho, mas ao invés do cavalo apenas um
solitário e auto-suficiente cão o acompanha. Na casa que lhe calhou
em sorte encontrar vive uma mulher que esperará eternamente pelo
marido que a abandonou, e o seu filho que faz tudo para proteger quem
ama mas não se importa com a vida própria. O paraíso perdido que
parece ter encontrado sem pedir, depois da odisseia Homérica, com as
águas límpidas que o rodeiam, as montanhas destacadas do fundo e
sob os céus que de quando em vez cegam depois da tempestade, a
primeira luz da manhã pronta para abraçar os amantes, tudo isso vai
ter de ser adiado, a um primeiro nível pela questão fundadora da
guerra entre os nativos e os conquistadores, mais fundamente e
antigamente pelo pecado original e pelos espinhos que a mentira
espeta à verdade.
Hondo,
ou seja, John Wayne mestiço, híbrido, sem pátria, dividido e
estilhaçado pela morte da mulher amada que era índia como ele foi,
jurou não se preocupar mais com as decisões do seu semelhante,
depois da tragédia mais indesejada lhe ter batido à porta. Só
que, a mulher branca que encontra e que em tudo é diferente da que
perdeu torna-se a seus olhos e por causa do coração a mesma, o
filho desta vai ter com ele de noite e abraça-o como se dele
dependesse, o índio rival da sua actual condição salva-o da pena
capital depois de um engano tremendo mas passa a admirá-lo quando
ele vai contra ele e contra a sua tribo por causa somente da verdade
básica; e de verdade tremenda em verdade tremenda a mulher descobre
que Hondo matou o seu marido e a partir daí pede a última das
mentiras, a mentira do para sempre
que Hondo repetirá para si próprio rumo ao trilho irracional dos
destinos. Algures no campo de batalha puramente humano, a mais
acabada das mentiras volve-se a mais revolucionária e única das verdades.
Neste
filme de uma beleza pacificada como o Éden sem os seus habitantes da
praxe, e aonde a mentira faz o mais abalado dos ricochetes, ficamos a
saber que o puma grita insultos e é valente, mas o coiote uiva
insultos e é covarde - destrinça e dádiva sublime do nativo ao
mestiço que viu de todos os lados e se queimou até à purificação
nesse ferro e nesse fogo; e aqui entra John Ford, a parte ou a
herança Fodiana – recentemente descobriu-se que ele teve alguma
mão no filme, a fellow: entre a matança e o baile, a ilusão e o facto, o
mito e a impressão, importa a assunção original que levou toda a
narrativa até ao ponto crucial, salvando a contradição. Puma ou
coiote, na guerra como no amor, a verdade é uma construção de
amplexos e estruturas complexas, erigida em planos indestrutíveis e
totais, carregada de pontos de vista desmultiplicadores, cheia de
tempo e de espaço e de fúria, na qual só percebe o fundamental
quem vislumbrar e sentir o pulso ao todo. Louis L'Amour, o homem das
mil deambulações entre os ventos e cadáveres do deserto, baseando-se “Hondo”
numa das suas mil histórias, proferiu um dia: «A mind,
like a home, is furnished by its owner, so if one's life is cold and
bare he can blame none but himself.»
A acha da mentira que Hondo e a mulher ofereceram ao filho e à
fogueira de uma possível família nova foi a acha que nutre o fogo
essencial, que fará medrar as crias e um futuro que reconhece o
passado – é o olhar e o dizer de Wayne para com a raça prestes a
ser abatida mas não esquecida. A família cruzada que se fará uma,
liberta e fiel, no mais lendário dos avatares.
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