sexta-feira, 7 de dezembro de 2018



Hondo, John Farrow, 1953


Produzido pela Wayne-Fellows Productions de John Wayne e Robert Fellows, “Hondo” é um filme de família e, como está implícito no nome da produtora, de amigos. John Farrow não é um indiferente tarefeiro e a sua fusão a Salvador Dalí no surrealista “The Big Clock” é mais um daqueles casos que tiram todo o tapete a quem vem com ideias escorregadias sobre a velha Hollywood. Na abertura, típica de qualquer western, vemos o forasteiro sozinho, a caminhar de movimentos e semblante ameaçadores, com a arma em punho, mas ao invés do cavalo apenas um solitário e auto-suficiente cão o acompanha. Na casa que lhe calhou em sorte encontrar vive uma mulher que esperará eternamente pelo marido que a abandonou, e o seu filho que faz tudo para proteger quem ama mas não se importa com a vida própria. O paraíso perdido que parece ter encontrado sem pedir, depois da odisseia Homérica, com as águas límpidas que o rodeiam, as montanhas destacadas do fundo e sob os céus que de quando em vez cegam depois da tempestade, a primeira luz da manhã pronta para abraçar os amantes, tudo isso vai ter de ser adiado, a um primeiro nível pela questão fundadora da guerra entre os nativos e os conquistadores, mais fundamente e antigamente pelo pecado original e pelos espinhos que a mentira espeta à verdade.
 
Hondo, ou seja, John Wayne mestiço, híbrido, sem pátria, dividido e estilhaçado pela morte da mulher amada que era índia como ele foi, jurou não se preocupar mais com as decisões do seu semelhante, depois da tragédia mais indesejada lhe ter batido à porta. Só que, a mulher branca que encontra e que em tudo é diferente da que perdeu torna-se a seus olhos e por causa do coração a mesma, o filho desta vai ter com ele de noite e abraça-o como se dele dependesse, o índio rival da sua actual condição salva-o da pena capital depois de um engano tremendo mas passa a admirá-lo quando ele vai contra ele e contra a sua tribo por causa somente da verdade básica; e de verdade tremenda em verdade tremenda a mulher descobre que Hondo matou o seu marido e a partir daí pede a última das mentiras, a mentira do para sempre que Hondo repetirá para si próprio rumo ao trilho irracional dos destinos. Algures no campo de batalha puramente humano, a mais acabada das mentiras volve-se a mais revolucionária e única das verdades.

 
Neste filme de uma beleza pacificada como o Éden sem os seus habitantes da praxe, e aonde a mentira faz o mais abalado dos ricochetes, ficamos a saber que o puma grita insultos e é valente, mas o coiote uiva insultos e é covarde - destrinça e dádiva sublime do nativo ao mestiço que viu de todos os lados e se queimou até à purificação nesse ferro e nesse fogo; e aqui entra John Ford, a parte ou a herança Fodiana – recentemente descobriu-se que ele teve alguma mão no filme, a fellow: entre a matança e o baile, a ilusão e o facto, o mito e a impressão, importa a assunção original que levou toda a narrativa até ao ponto crucial, salvando a contradição. Puma ou coiote, na guerra como no amor, a verdade é uma construção de amplexos e estruturas complexas, erigida em planos indestrutíveis e totais, carregada de pontos de vista desmultiplicadores, cheia de tempo e de espaço e de fúria, na qual só percebe o fundamental quem vislumbrar e sentir o pulso ao todo. Louis L'Amour, o homem das mil deambulações entre os ventos e cadáveres do deserto, baseando-se “Hondo” numa das suas mil histórias, proferiu um dia: «A mind, like a home, is furnished by its owner, so if one's life is cold and bare he can blame none but himself.» A acha da mentira que Hondo e a mulher ofereceram ao filho e à fogueira de uma possível família nova foi a acha que nutre o fogo essencial, que fará medrar as crias e um futuro que reconhece o passado – é o olhar e o dizer de Wayne para com a raça prestes a ser abatida mas não esquecida. A família cruzada que se fará uma, liberta e fiel, no mais lendário dos avatares.

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