Urban Cowboy, James Bridges, 1980
O John Travolta de “Urban Cowboy” não sonha ser cowboy como o miúdo de “The Culpepper Cattle Co.”, ele é cowboy. A cidade a que ele chega vindo da sua vilória é a gigantesca Houston, mas só a vamos ver de longe e no alto. Ficaremos nós e eles trancados em rulotes e no bar da noite de todas as possibilidades. Quem sonha aqui com a velha anomalia ambulante a passear trajado de ganga e com o típico chapéu de abas nas encruzilhadas do betão dos arranha-céus são as mulheres. É esta fascinação que lança o drama do casal Bud / Sissy que obviamente se ama mas que troca de par devido às mesmas razões que qualquer outro casal possa ter no lado mais afastado e estranho do mundo, e isto é tudo o que há a dizer das voltas e reviravoltas da narrativa.
Fora o mito, que despoleta e laça o desejo, o ciúme, a eterna costela infantil, o crime. E ainda o irracional e animalesco inexplicável que nos acordará algures, ainda o mito. Na cena mais bela do filme, porque a mais trágica, e a mais sincera, o old fellow seu tio diz ao vaquero sem sombra para dúvidas nem necessidade de mascarilha, que a única saída para os da sua laia, cepa dura mas cravados pelos sonhos como o gado com o fogo, os sonhos de domar e dominar os animais selvagens como os avôs Texanos, animais agora máquinas aberrantes sem pradarias à vista, sonhos de bebés e de velhos, é elidir o raio do orgulho, um dos pecados mortais.
E lá mais ainda dos altos, muito acima do concreto e do brilho do vidro de aço, o céu ameaçador e revolto que estava a meter tudo em polvorosa nas cenas anteriores, perfura sem dó nem piedade quem ousou abrir a boca de verdade no momento grave. Foram talvez anjos a escrever algumas coisas direitas e a apontar caminhos por linhas e vias tortas, e a sua música não será a sublime das harpas mas obviamente a country que embala aquelas dinastias cruzadas e aquele incomensurável palanque, dos Eagles a The Charlie Daniels Band, o embalo desse mitológico berço que confunde e difere o realismo. É toda a genuína Hollywood naquelas danças, nessa sinfonia de vozes do deserto, de whisky e de violinos de cordas estraçalhadas, sociologias e etnografias em rotação, de rude, prosaico e destemido movimento que fundou uma arte infalível e de renovada emoção a cada salto para o comum, para a vida e poética de cada dia – muita musiquinha, muita luz e muita acção, mas o poder e a lógica são irmãos do silêncio de Robert Bresson ou da tensão de Yasugiro Ozu. Fieis a D. W. Griffith e a Howard Hawks, pode-se reinventar tudo:
- o primeiro plano de despedida na casa: a mesa familiar, a panorâmica para baixo nas escadas, o filho a deixar o cosmos quente do quarto e a largada para o caos lá fora.
- no acidente de Bud, montado em paralelo com a traição sem
sexo de Sissy, ele é um Cristo invertido na cruz – regresso ao eterno James
Dean sacrificial, passado Jesse James – e ela a utopia da igualdade, escondida
com o selvagem e a máquina, profecia milenar.
- na primeira das
traições sexuais sem mácula, travessura de recreio, o cross dissolve entre o verme da garrafa e o sexo por si de Bud.
O derradeiro Plot
Point antes do Clímax típico e da Resolução feliz ou é uma facilidade tonta
de argumentista ou as tripas de fora de uma menina rica iludida com as
histórias de quadradinhos que usou todo o seu arsenal bélico na causa: cabe a
cada espectador escolher o que viu e no que quer acreditar, se espectáculo
barato, se Shakespeare entre bostas de cavalos e poços de petróleo. É isto a
sinceridade de um cinema sempre a consolidar o laconismo, a prática, o andar
para a frente pois para trás mija a burra, a teia puramente humana, seja em mil
nove e oitenta ou com Bem Affleck à câmara.
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