Under Pressure, Raoul Walsh, 1935
“Under Pressure” é um filme
chocante, mesmo saído da câmara exposta às balas do camionista e
rancheiro Raoul Walsh ou do corpo e da mente marcadas do grande
argumentista Borden Chase que antes de dar à pena foi motorista de
gangsters e cavador de tuneis. Chocante porque a carne e os músculos
de super-homem que trabalham dentro das entranhas da terra valendo-se
do ar comprimido e do veneno que vai pacientemente corroendo os
órgãos, os membros e toda a restante matéria, quer mesmo assim
bater o adversário do lado oposto, tal como nas grandes guerras ou
nas corridas de cavalos, como se tivessem inspirado o elixir da
longa-vida ou cheirado um amor para lá de todas as considerações.
Existências breves, intensas, cadentes, sempre surpreendidas pelo
choque de existir. Ratos que também são heróis e que iluminam os
lares de milhões de seus próximos, matam a sede e fantasiaram com o
surfar na internet, encarnando nos compadres e rivais da electricidade de "Manpower". Apaixonados pelo vislumbre do centro do mundo ou
pela simples faísca da picareta e do consequente som inaudito no
mineral assombroso. E que não querem medalhas para além da cerveja
no final das etapas, da função cumprida conforme o posto, da
estrela-guia feminina que disputam com as vísceras do subsolo.
Num dos episódios mais hilariantes da
comédia humanista “Suttree”, Cormac MacCarthy descreve assim a
busca da personagem principal ao idiota que fala sempre a verdade
chamado Harrogate, dentro da escuridão fétida dos esgotos e das
cavernas que nos sustêm em delicados liames e esperanças, em busca
de um tesouro ou de um brilho que a raça desprezou algures na
caminhada: «Calcorreou estreitas passagens laterais e perscrutou
os mantos de lama no leito de pedra da gruta em busca de pegadas, mas
há anos que ninguém passava por ali, ao que tudo indicava. Os nomes
e datas na pedra tornaram-se mais antigos. Cimérios mortos sem
descendência. Falta de espírito aventureiro na alma das novas
gentes ou ausência de amor pelas trevas».
De “Under Pressure” ressuma suor e
a morte a escavar em cada poro por cada segundo, mas logo no início
vemos um dos mais inauditos planos cinematográficos alguma vez
construídos e iluminados, ratos-homens rivais ao encontro uns dos
outros no fétido carreiro até à altercação capital na meta, até
à glória final apagada e sem eco nem homenagem da claridade
exterior. E assim percebemos que certos homens, na equação
vacilante e ilógica rasurada na sua morfologia e na sua condição,
desprezando a ciência e a física básica em favor da poesia e do
desconhecido trucidantes, cavam-se completos no instante assombrado.
O frémito: fogos invisíveis em combustões suicidárias de fórmulas
desconhecidas que nem toda a água de todos os rios e mares conseguem
apagar – à imagem daqueles esguichos sobre o Hudson que abalam as
mulheres em pressentimento e matemática macabra a par da erótica
pasmosa. O mais duro dos cineastas é também o mais frágil e
delicado dos filósofos. O amor à treva é o amor à vida e ao
cosmos. Modernos. Futuristas. Utópicos. Uma das grandes obras-primas
estilhaçadas dos anos 1930.
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