Bull Durham, de Ron Shelton, 1988
Em tempos incertos e remotos, mas não muito, uns miúdos que
jogavam futebol no condado portucalense tiveram um presidente do clube e todos
os seus assistentes que lhes atiravam tiradas não-transcendentais, ternamente e
com verdade, que iriam ficar, para o bem e para o mal, nas teias das suas memórias, tais como: «o que
importa é que ninguém se aleije», ou: «desportivismo acima de tudo»,
para fazerem a síntese perfeita: «se conseguirmos a taça fair play já é
muito bom». Mediante encorajamentos destes, não consta que tenha saído da
cepa nenhum Luís Figo. Mas tão menos éticas como de resultados análogos era a
moral e os conselhos do treinador que acumulava a função recreativa de mestre
do fogo-de-artificio da freguesia: «estudar para os testes? para quê? copia!
eu quando andava na escola e tinha pontos metia as cábulas nos tomates. Se a
professora visse eu dizia-lhe para ´mas tirar dos colhões! joga ´mas é à bola,
pá! E caga para essas coisas»
Talvez tenham dito destas coisas ao personagem de Tim
Robbins em Bull Durham – a próxima next big thing desmiolada –
talvez tenham gritado tamanhas odes ao Crash Davis de Kevin Costner – o mítico
jogador das segundas linhas que nelas detém todos e demais records e
isso basta; fabuloso actor, distante aqui da aura celestial do Gary Cooper de The
Pride of the Yankees, mas só porque os tempos já não admitem aqueles anjos
públicos e Cooper nos anos 80 teria sido Costner - sendo essa a grande
ambiguidade e complexidade do filme, do conto e da moral: quem vive feliz,
realizado e consciente na sombra e quem tem de mergulhar nas mais extravagantes
luzes para um objectivo de fundo: dominar as bolas na quadra de jogo e na cama.
O “monstro” de Robbins que pode ser só isso com culpas ou sem
culpas formativas, ou o analógico de Costner que grita para a sexy esfomeada de
Susan Sarandon (não dá para traduzir): «Well, I believe in the soul, the
cock, the pussy, the small of a woman's back, the hanging curve ball, high
fiber, good scotch, that the novels of Susan Sontag are self-indulgent,
overrated crap. I believe Lee Harvey Oswald acted alone. I believe there ought
to be a constitutional amendment outlawing Astroturf and the designated hitter.
I believe in the sweet spot, soft-core pornography, opening your presents
Christmas morning rather than Christmas Eve and I believe in long, slow, deep,
soft, wet kisses that last three days.»
Ron Shelton, belíssimo realizador só realizador, de
quem tenho de recomendar Jordan Rides the Bus, apanha tudo isto tão
naturalmente como o movimento do ar nas árvores e tão avidamente como a pulsão
de qualquer um dos três protagonistas, num secretíssimo esplendor Visconteano –
atenção aos fundos sólidos, inteiros - aplicado ao dia-a-dia sem mais nada do
que o café, a bola e a tal da pulsação que torna todos os antagonistas mais do
que complementares, absolutamente semelhantes. E é muito.
Disponível no My Two Thousand Movies: https://mytwothousandmovies.blogspot.com/2019/07/jogo-tres-maos-bull-durham-1988.html
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