domingo, 28 de junho de 2009


Não sei muito bem que diga, mas acho que tenho alguma coisa a dizer. Coisa pessoal, aviso já. “Liverpool”, o filme de Lisandro Alonso, muito mais do que merecer rasgados elogios da minha parte, penso seriamente que é o tipo de filme que gostaria de fazer. Isto dos que vi nos últimos tempos, evidentemente. Sempre tive – ainda tenho, na verdade – esta ideia de fazer um filme só com uma personagem, segui-la, olhar os seus movimentos, a maneira de andar, de beber, de interagir com as outras pessoas, etc. Ao mesmo tempo que a enquadraria num mundo e num tempo que me dissesse alguma coisa, que significasse. Assim, sem merdas. Sem uma estrutura narrativa convencional – sem uma estrutura narrativa, ponto. – obviamente sem códigos e sem géneros, sem leis nem amarras. Sem música e sem sublinhados. Sucintamente – sem o pó de arroz que alimenta esta ficção medonha dos dias de hoje. Sem ter que pensar no público e na necessidade de o satisfazer. É filme para desenjoar de “filmes”. Para desenjoar de imagens e de sons a mais. De poluição a mais. Porque sejamos claros, o que faz Alonso: traça um mapa e um percurso para o seu personagem, uma “história” resumida numa linha – “um tipo que aproveita uma folga para visitar a mãe que há muito não vê” – escolhe uns lugares para mostrar como é a região e…põe a câmara a captar tudo isso singelamente. Mas mesmo singelamente. Sem nada acopulado, sem lição de moral, sem lição sociológica, sem psicologia barata, sem querer afirmar-se como “grande cineasta” que faz grandíssimos planos, grandíssimos cortes, prodigiosos malabarismos entre as músicas e as imagens, etc…Não, Alonso apenas quer captar um percurso e, talvez, a emoção que daí desvela, nada mais. Por isso é que este empreendimento corresponde ao meu velho sonho, seguir alguém, e isso seria um dos meus filmes ideais.
Também se poderá falar em falta de imaginação? Sim, mas no caso, bendita falta de imaginação. Preciosa falta de imaginação. Talvez por isso, por essa inocência, é que em certas alturas o lirismo daqueles céus e daqueles horizontes se torna tão intenso, suavemente intenso, quase trazendo à memória outros cinemas e outras vidas. Mas isso não quero desenvolver.
Dito isto, até estava a pensar que se tivesse sido eu o realizador de “Liverpool”, teria acabado o filme naquele extraordinário plano em que Farrel vira costas à casa da família e nunca mais o vemos. Compreendo bem a ideia de Alonso, deixar ficar o filme no mundo que Farrel largou, perceber o peso daquele lugar e daquelas vidas, mesmo da possível reverberação que a sua passagem levemente permitiu, apenas dispensaria isto pelo simples motivo de corresponder radicalmente à minha ideia. Coisa tola, obviamente, este é o filme do argentino e está assim justíssimo, inatacável, comovente na sua intimidade. Já agora, e tendo em vista as coisas anteriores de Alonso que conhecia, este parece-me bastante clássico, de uma claridade e de uma leitura preciosas. Compreendo a revolta da maior parte do público que possa assistir ao filme, compreendo a revolta da maior parte da crítica, mas uma coisa tenho para mim, tudo são apenas sinais e marcas das convenções e das formatações terríveis que o cinema sofreu. Já não se consegue ver simplesmente, já não se consegue olhar, sentir o tempo do tempo. Por isso é que o cinema só pode ainda estar na infância. Mesmo.

1 comentário:

Daniel Pereira disse...

"Também se poderá falar em falta de imaginação? Sim, mas no caso, bendita falta de imaginação. Preciosa falta de imaginação."