quarta-feira, 7 de setembro de 2011

o cinema é Lillian Gish a vender os seus trapos por umas moedas, a parar para pensar e a ir ao pescoço e a vender mais um trapo mesmo que por mais frio, imensamente frio...


...é o escritor de peças teatrais já caído de amores por ela a desfazer-se de uma das pernas da sua cadeira para lhe dar fogo para o corpo e obviamente para a alma...

...são os amigos dele a trazerem-lhe comida e a fazerem a farra dos pobres, a perceberem que ele tombou de amores e a mandá-la buscar para ele.

Se calhar é preciso ter-se abandonado uma casa para se começar a puder entender qualquer coisa na tristeza infinita e infinitamente magoada dos olhos de gish com os sacos às costas...é preciso sentir uma qualquer pulsão que desfaz o efeito da ilusão ou da magia ou da hipnose e nos proporciona o arrepio na espinha da vida. cinema = vida, cinema ≠ vida.

é essa dança absolutamente louca, demencial, animalesca e livre igual à de binoche e lavant nos amantes da ponte nova...onde a câmara e os corpos nessa eterna bebedeira dos sentidos fodem e não olham para o lado.

são os olhares beijos e abraços e todos os mimos à beira rio...a luz a incendiar a película de desejo, o lirismo a queimar pelas águas ventos ervas a saia a esvoaçar...

...é o escritor já nos chãos fuzilado pela musa de inspiração.

é essa musa a esconder-lhe que foi despedido do trabalho indecente e a dar-lhe o pouco que ganha nas noites em branco...

a musa que para o amado triunfar foge e se apaga...altar final do sacrifício altar do amor cego que não se qualifica...
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o último plano que rasga como uma faca no coração.
(liturgia da paixão)


os grandes planos que não funcionam como a puta da regra da linguagem ou o cumprir de quotas cinematograficamente falando, mas sim para filmar a emoção e variação - revelação, perdição, força, medo, escuro, claro... - do homem..toda a complexidade do ser. O gp foi inventado para qualquer coisa, griffith sabia-o como vidor o sabia, e cada um deles é um universo de energias que explode na tela. Gesto a um tempo íntimo e singular e total.

vertigem do rosto, vertigem do olhar. aproxima-se demais e queima-se.

então, insisto, esquecer a tal da linguagem e esquecer o fato e gravata e volver-se um vândalo de coração à beira da câmara, um vândalo e um taberneiro dos sentimentos...essa palavra hoje tão ridícula na arte como todas estas quimeras que se pressentem aqui e que à custa de tanto talento e génio e progresso hoje tornaram o cinema na porcaria que ele é. o cinema de um génio por semana, 1000 ideias por minuto, artistas de museu, radicais ica de subsídios de milhões.

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