terça-feira, 24 de abril de 2012

O poder do lápis azul: Cinemateca Portuguesa II


“O primeiro sinal de corrupção que ainda está vivo numa sociedade é que o fim justifica os meios.”

Georges Bernanos

Sem muito mais, só para acrescentar que casos de evidente fascismo abafado como este praticado por alguém que pretende mandar cegamente na Cinemateca Portuguesa – e que eu não confundo jamais esse alguém, essa pessoa e essa desdenhosa insolência e intolerância, com a própria casa do cinema que tanto amo e que tanto me deu e me continua a dar - ela e João Bénard da Costa, coisa que confundo e que sempre tornarei numa e na mesma coisa. Ia eu a dizer, um acontecimento destes, absolutamente inaceitável num país ou num mundo só minimamente decente, teria de ser capa do próximo Ípsilon ou da Actual Expresso ou de qualquer imprensa séria. Porque urge muito mais preservar as grandes paixões sem freios porque acometidas de um imparável fogo que tudo devora e leva à frente e queima, do que as lamentáveis manchetes patéticas e demagógicas que se desmultiplicam ad infinitum. As paixões, simplesmente. Urge muito mais, nestes tempos não muito distantes de uma marcante data de Abril que todos nós sabemos o que significa, preservar o homem livre e consequentemente o pensamento livre. A liberdade, simplesmente. Muito, imensamente mais do que promover os amigos só supostamente cineastas e os seus produtos fabricados para que todos possam encher bolsos e egos e fama, garantir o estatuto social e o cheque ao final do mês. Infinitamente mais essa liberdade criadora do que o sacrifício de todos os valores e crenças em nome do bom rolar do cinema português, da sua possibilidade e dos prémios em ouro nos super festivais – que imbecilidade…

Se essa imprensa, ou crítica, ou homens verdadeiramente homens existissem, teriam de denunciar rapidamente este caso, para se assegurar a singularidade e verdade de qualquer pessoa ao invés dos sorrisos mesquinhos, das aparências, palmadinhas nas costas, essa bafienta paz podre. Para se garantir a possibilidade dos ímpetos e instintos ao invés do anestesiamento global e do reconfortante apagamento de qualquer peculiaridade. A beleza de um qualquer “Eu” que altivamente se demarca dessas grandes mentiras e teatros de aparências – a beleza de tudo o que se opõe à sede de poder e à suprema impostura calada que tantos massacres – cada vez também mais calados – continuam a provocar.

No fundo, o que cada vez mais não se percebe, ou não se quer perceber, é que nas instituições, nos organismos, nas produtoras de…, e em tudo o resto, existem pessoas, pessoas e as suas diferenças, e não frios autómatos ou bonecos acomodados nos seus tachos. Primeiro de tudo, falta ser-se honesto consigo próprio.

E para alguém não ter de escrever mais o que Jean- Luc Godard escreveu certo dia a André Malraux aquando de uma interdição tão grave como a que a Senhora Directora da Cinemateca Portuguesa, Maria João Seixas, acometeu agora contra as folhas de sala lá escritas por Mário Fernandes (e existe uma de um filme de Marco Ferreri que possivelmente nunca a leremos…): “Como me podereis entender…eu que vos chamo do exterior, de um país distante, a França livre?”

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