A “Beatrice Cenci” de Riccardo Freda ilumina-se
com fugas a horas tardias demais na noite e enegrece a cabeças decepadas.
Salvações inusitadas e enganos terríveis no movimento desta eternidade. Na sua
órbita perpassa tudo do que se pode imaginar e do que não se pode. Inocentes a
fazerem do primeiro amor o amor eterno. Crescidos marcados pelo tempo e pela
carne gasta da partilha. Forasteiros obstinados. Petizes assustados. Sinceros
demais como os novos na terra e aberrações incuráveis. Maquinações mútuas e respectivos
encravamentos. Incestos a toda a largura e grau. Comida envenenada. Relação
envenenada. Deturpações originais. Sangues ruins. Certezas absolutas.
Reviravoltas sem causa. Contradições inatas. Insinuações latentes e correspondidas.
Devassidão de porta aberta. Dádivas puras e maldade incurável. Mestiçagem letal.
Elipses no presente puro e impuro por causa delas. Terrores entranhados. Beijos
fulgentes. Beijos funestos. Fel putrificado. Milagres condenados… E o delírio dessa
envolvência, da ambição, da consciência que tudo amplifica: realezas e escravos
e por aí fora nos seus castelos inconsequentes. Cavaleiros de espada à cinta de
cabelos ao vento a rasgarem a paisagem decadente. Argamassa secular do embuste…
Numa sinfonia que abre na demente floresta de suicídios e desmaios salvos ou destinados
e que cerra em silêncio aterrador. Ambiguamente sem bons e maus definitivos. Onde
a sorte dos vivos parece interminavelmente pior do que a dos mortos. Onde tudo
parece ter morrido. Apocalipse consumado nessa constante ebulição. Dos azuis e
verdes e vermelhos e negros corroídos até à descoloração acabada. Imensa
pintura em movimento arquitetada pelo rigorosíssimo e sensível CinemaScope continuador
de todo o cinzelamento Egípcio do berço de Freda até ao alto renascimento da
pátria de trabalho, o reconhecido Giovanni Piranesi ou o Courbet dos enterros, Da
Vinci horizontal e sucessivos. Que não se racha constantemente, não se
estilhaça ou mosaica em múltiplos ecrãs ou narrativas ou plataformas, como se
costuma pensar que é dramaticamente mais forte para falar de grandes painéis,
frescos ou gravidade humana, mas que nos junta a nós e à nossa enfadada
catadura que ainda nos aguenta, a grandes distâncias ou bombasticamente perto, para
fazer ver que não há saída para tamanhas discrepâncias, covas, usuras. Por isso
não é questão, nem nunca foi, do progresso ou da tecnologia cega e surda que
nos agride no “300” e suas sequelas ou no mais sofisticado autorismo de “Pompeii”,
mas sim de sentido e de sentimento. Riccardo Freda atingiu o cúmulo do
romantismo e a frieza insuportável, questão de saber olhar e perscrutar. Nada
mais grave, antigo e moderno.
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