sábado, 22 de março de 2014


"The Dawn Patrol", 1930

O Pão de Deus cria cada burro…velho dito popular que não aparece pelo google mas só na fonte das fontes, os tais antigos e a infalível memória e perspicácia. Lembrei-me disto, que tantas vezes ouvi e percebi logo o sentido, a ver este filme de muita luta e de muita espera tanto no céu como na terra. Numa diminuta área concentracionária, tal como em “Ceiling Zero” ou em “Only Angels Have Wings”, três homens vão-se suceder no posto capital que a todos começa por decidir a sorte. E no tempo fugaz que não dá para considerações, terão de alinhavar estratégias e tentar esquecer o factor humano. Nesse posto ao lado da síncope estarão sempre entre o Burro e o Santo. Mas o que se fica a perceber pelo mais obsceno dos fora-de-campo é que esse Pão azedo, ácido, só se come ali mas vem produzido de bem longe, do quente de quem não suja as mãos e tanta esperteza comporta. Dick Courtney é como uma estrela complexa em todo o trajecto delas que fará o percurso completo, do aviador que engole as ordens, até ter que as dar sem pestanejar, à morte. Neste bando de anjos joviais que diz sempre sim e não teme, quando teme é pelo outro tão mais amado que ele mesmo, as mais belas cenas serão de pura insurreição. Quando Dick e o comparsa acordam de madrugada e vingam pela calada uma provocação intolerável; os permanentes esquecimentos da conduta certa para estar sempre na asa do melhor amigo; e a mais bela, quando esse aprumado herói comum embebeda Hawksianamente o rapaz que acabou de perder o seu irmão mais novo, e se ri por isso, se ri como se conquistasse a mulher amada. Uma das mais belas traições do cinema, que é o acto supremo da amizade e da doação. Insurreições, dizia, mas insurreições por amor. Ri-se e vai direitinho às nuvens para fazer o trabalho do que ficou zonzo em terra. Faz a coisa como deve ser e incendeia-se ainda jovial, saudando o oponente que como ele tem de matar outros homens porque sim. E neste que é dos primeiros filmes sonoros, o suspense e a reviravolta chega como tantas das vezes através dos motores das máquinas, tortura em off sem volta a dar. A não ser através do escrito final que afirma que o inimigo morreu mas que morreu galantemente. Neste que se diz ser o único filme de HH sem uma mulher, dos mais despojados e despidos onde a fixidez tudo carrega e tudo abstrai, o que não se vê como o que não se percebe vai sempre volver-se eco da desgraça e da paixão. Num universo em que o essencial brota do irracional. Lancinantemente.

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