segunda-feira, 19 de maio de 2014




Incompreensível tentar perceber os que ainda hoje comentam o academismo e a demissão de Otto Preminger em “In Harm's Way”. Sobretudo porque desde o espantoso e expressivo plano sequência inicial que nunca é virtuosismo, até às explosões finais que preparam o embalo de John Wayne numa das suas maiores criações, tudo é lógico pois assente numa moral que não permite que o espéctaculo do cinema leve a melhor sobre a vertigem bélica. Não só se chega aos estilhaços mas também, diria sobretudo, se passa nunca incólume pela tensão da espera, pelo medo do desconhecido do inimigo e do destino, da reação e controlo de cada um envolvido, onde não se está longe dos seus filmes e mentes dos anos quarenta e cinquenta. Toda a observação e contemplação pura da câmara, a sua movimentação e medida, certezas e travões, assim trabalham por causa da longa sabedoria de um grande cineasta que está por detrás dela e sabe que o que só ali lhe interessa é da ordem das movimentações dos corpos num espaço exíguo e sufocante, a precipitação dos acontecimentos, a abstração de todo um jogo incompreensível e fugidio; e não só isso mas inevitavelmente as consequências inafastáveis pelo tempo e pela duração da missão, que agudizam as relações com o próximo, trazem as paixões que assaltam irresponsavelmente, o auto-confronto muitas das vezes tão terrível e tortuoso como com o inimigo. Espera onde os fundos falam, a natureza, os céus, o ar se volve e envolve massa visível e palpitante como o vento, tudo se parecendo manifestar perante tamanhas ousadias e perpetrações humanas, consonando-se assim o desmedido scope com o que envolve.

Tudo tem de arrebentar perante convocações e convulsões destas e rebenta mesmo – não só as bombas e os corpos esquartejados, mas suicídios, humilhações como a do errante Douglas a um parceiro manhoso, redenções fora de hora e outras ainda em boa hora, atitudes a queimar o risco e o ponteiro, demências sem definição, entregas totais, e tudo o mais que as palavras não contam. De resto, nesta obra fundamental em OP e no cinema americano do final do sistema de estúdios, absolutamente acabada e aprimorada, o estratega e prático feito Henry Fonda tem tanto peso e importância como teve na aparição em “Fedora” de Billy Wilder. Pois Preminger não só assume a posição Fordiana/Hawksiana dos homens que partem para a luta e que tomam as decisões firmes e no tempo adequado a favor dos grandes estrategas que não saem do papel, como, nessa lacónica e comovente primeira aparição de Fonda, lhe permite ajustar as contas em vida que tinha para ajustar nas batalhas de pó e outro tipo de armas no Oeste de “Forte Apache”. Não é delírio dizer que reaparece dos mortos e se agiganta agora calmamente e de certezas ainda mais acabadas o Lt. Col. Owen Thursday, como o escuta sem pestanejar e apoiando incondicionalmente o poderoso Capt. Kirby York que dispensa as secretárias e preferirá sempre os estilhaços. Para ser ainda mais comovente a presença final que tem o tom da despedida, quando diz a Rock, só assim podia ser chamado Wayne nesse presente, agora fecha os olhos e dorme, ordens minhas. De resto, é ver as paralelas e as cortantes entre Rock e a enfermeira Maggie com o filho descoberto e a pequena trágica sem lugar na terra; todas as outras relações que alternam o romantismo do instante com a perdição no geral para um compósito denso e grave não só do ar do tempo mas do sempre; e Wayne/Douglas que sempre se entendem e amam e tudo perdoam, tão belo como o sorriso e o silêncio de Jere na aceitação profissional e paterna. Alguns ousam e tudo vencem, outros caem, nada de super-heróis ou Deuses, mas o que se encontra aqui é uma frontalidade que nunca se esconde ao que tem de ser tem muita força. E o classicismo absoluto que se desprende constantemente dos livros e inventa as suas formas novas para fundos que sabendo-se eternos ali são únicos pela comoção da proximidade, ao lado do que se filma e nunca demitido. Escrita harmónica de imagens e sons que formam e enformam os sentimentos. Elipse que nunca fecha e tudo expande para todas as zonas claras e negras e as suas fusões. Grandioso, em todos os sentidos e com os mais alguns das obras intermináveis.

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