Livre? Quem quer ser livre? Responde Robert Ryan,
salvo de um cadafalso literal à última da hora e de outro muito mais potente ferrado
no interior da sua cabeça, a uma Barbara Stanwyck que na hora menos esperada
viu a vida torcer. Tanto um como outro pertencem à raça dos que agiram tempo
demais em espaço demais por sua conta e risco. Sem medida, nem sentido, Deus
nem Sombra. Ele por esse mundo fora tendo como tecto o céu. Ela junto a
elefantes, dentro de palácios e selvas de igual perdição. Então…a velha incompreensão.
Por meio de injustiças imperdoáveis, irmandades além morte, insubordinação,
fugas, a doença, a peste, vão-se encontrar no milagre final ou na justiça final
e fazer parte dele. Perceber, como todo o grande cinema americano percebeu e já
não percebe mais, o valor da fidelidade. Fidelidade que jamais se amarra ou
aninha, mas que é pelo contrário o móbil de todas as liberdades. Por isso mesmo
a deixa final não é sentença, é júbilo. Fidelidade antes da constelação do amor
ter deixado de fazer parte da comédia rasca.
Ou seja, sentimentos que são os do trabalho do
cineasta. Alan Dwan. Toda a ficção deixa de ter a sua aura de espetáculo ou de
efémero para se projectar em eternidade. O romanesco é o romanesco de milhões
para lá ou cá do cinema. O ofício das formas como ofício da memória. Da
reposição. Uma missão. Tudo entra em acordo e por isso mesmo é difícil não
considerar toda a obra que conheço de AD um só filme. Caminho de múltiplos
pavimentos e direções. Seja no fogo de Iwo Jima, pelas águas do sonhado Suez, na
viçosa Montana, no apocalipse da obra crepuscular. Tudo é documento, ainda mais
do que documentário, e tudo redime da vilipendiação e da usura que tantos
autores gastaram pelo mundo. Mundo vetorial ou mundo abstrato dos abalos dos
sentidos. Em “Escape to Burma”, no auge da fábrica dos sonhos, uma dança e
carinhos de um elefante, a sede de carne de um tigre ou de uma pantera negra, o
privado dos desejos do par, um pedaço de terra que aluí subjacente ao medo, uma
pintura de papel paisagem telúrica ou feérica luz falsa para tempestade dos
Génesis, folhas e seiva lânguida a imiscuir-se na definição arquitetónica
rigorosíssima da abertura, são postos no mesmo plano e na mesma profundidade
que sabe que tudo é inerente no movimento verdadeiro. No movimento original que
todo o integro deve almejar. Que a enfatização estará no invisível, esse
secreto imanente, ou quando o cinematógrafo deve elidir - tanto no imemorial Éden
ou pela caneta de um argumentista pago à página.
Esgotamentos, isolamentos, falta de ideias, edificação
do ego, alimentação do ego, choradinho, miserabilismo, cego individualismo,
Rimbauds fantoches, hereges, sofistas, jogos de percepção, tudo desta raça é a
moral proibida. Quando a comunidade importava o cinema era comunidade. As
coisas brilhavam e o mal, que se enegrecia e mostrava e fatalizava como nunca
mais, morria pelo poder comum. O mundo como deveria ser, disse certa vez o mais
justo dos homens e dos artesões, Victor Erice, por estas tão raro, por estas
tão lancinante. E quando o próximo, a sombra protetora, o olhar iluminado,
fidelidade, essa distância límpida, fome elementar, era a busca certa na maior
da miséria. Livre? Quem quer ser livre? E assim “Escape to Burma” é a arte e a
energia mais livre possível. Seguimento que continuará em tantos episódios e
actos de sopros distantes de lugares habitados.
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