Parafraseando Truffaut acerca de Abel
Gance, hoje em dia Pedro Costa liga a câmara na sua terra e em
frente aos seus e já só sai poesia; poesia sem género arrancada
aos dias e noites de rodagens consecutivos em meses e anos
inaceitáveis para o “cinema normal”, arrancada à noite, ao
sono, cavada na noite, no suor, no sangue, na luz, na pedra,
estripada à tecnologia e aos filtros profissionais em transplante
milagroso, aos reflectores de supermercado; tempestades de uma
intensidade precisa e inegociável.
Mas houve um tempo em que tudo era
desconhecido, terra queimada, susto, um homem e uma mulher na solidão
do derradeiro jardim, a guerra, e nisso a possibilidade de recomeçar
de novo, tudo, o cinema, uma moral, uma humanidade.
Na terra queimada escutou-se um passo
para o abismo, com os ditos drogados, indigentes, a escumalha para
queimar que não interessa a ninguém, agarrou-se na tocha pioneira
de Griffith, na talocha de um pedreiro do Gênesis e na fúria
silenciosa de Faulkner (cada vez mais e visto à distância é o fogo
primordial desta obra gigantesca) para obter formas, cores, as
escalas de um Rembrandt.
Nos lámbios desta nova e banalizada
raça digital, há alguém que dedica todo o tempo do mundo ao outro
e não grita isso; antes ou depois das festas promocionais, fora de
moda.
No Quarto da Vanda, a obra do século
XXI, passa hoje em Braga.
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