sexta-feira, 13 de julho de 2018

No Quarto da Vanda em Bracara Augusta



Parafraseando Truffaut acerca de Abel Gance, hoje em dia Pedro Costa liga a câmara na sua terra e em frente aos seus e já só sai poesia; poesia sem género arrancada aos dias e noites de rodagens consecutivos em meses e anos inaceitáveis para o “cinema normal”, arrancada à noite, ao sono, cavada na noite, no suor, no sangue, na luz, na pedra, estripada à tecnologia e aos filtros profissionais em transplante milagroso, aos reflectores de supermercado; tempestades de uma intensidade precisa e inegociável.

Mas houve um tempo em que tudo era desconhecido, terra queimada, susto, um homem e uma mulher na solidão do derradeiro jardim, a guerra, e nisso a possibilidade de recomeçar de novo, tudo, o cinema, uma moral, uma humanidade.

Na terra queimada escutou-se um passo para o abismo, com os ditos drogados, indigentes, a escumalha para queimar que não interessa a ninguém, agarrou-se na tocha pioneira de Griffith, na talocha de um pedreiro do Gênesis e na fúria silenciosa de Faulkner (cada vez mais e visto à distância é o fogo primordial desta obra gigantesca) para obter formas, cores, as escalas de um Rembrandt.

Nos lámbios desta nova e banalizada raça digital, há alguém que dedica todo o tempo do mundo ao outro e não grita isso; antes ou depois das festas promocionais, fora de moda.

No Quarto da Vanda, a obra do século XXI, passa hoje em Braga.

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