“Eles subiram à planície da terra e cercaram o
acampamento dos santos e a cidade predilecta. Mas um fogo que caiu do céu
devorou-os” Apocalipse 20:9
-What's the matter, Sam?
- I don't know.
-
Scared, I guess.
Diálogo do filme.
“Between Heaven And Hell” é a história ou o
fragoso percurso de um homem que desde a sua pacífica terra natal até aos
demoníacos campos de batalha lá longe vai perdendo quem ama ou começa a amar.
Entre o Céu e o Inferno, certamente o limbo mais ingrato e terrível, o cada vez
mais aflito e contorcido soldado Gifford (um sempre triste Robert Wagner entre travesso
infante e empertigado adulto falhado), vai entender, pela dureza e pelo focinho
da morte que o acaricia delicadamente, aquilo que não entendeu no seu algodão
caseiro. É a trama da consciência que é o mesmo que dizer a fulminância do
medo. Com certeza exíguos na terra o suportam, e a este pobre que a casualidade
ou a loucura ceifou redenções e recomeços em forma de novo amor, vai descobrir
- entre a posição vertical que o mantém de pé, com a pasta dos ossos, carnes,
sangues e diversos compostos químicos e animalescos em tensão, e a horizontal
que o deita e o poupa, o arrefece - que as falhas ou pecados ou heranças se
pagam no corpo, vão para ele sem pedirem licença e dele saem em combustão.
Chagas não fornecedoras do perdão ou da água benta prometida. E assim, mais uma
vez, todo o alcance do esqueleto originário, dos traçados e da composição no
grande embate existencial. O filme que Richard Fleischer tinha obviamente de
fazer é um dos pilares mestres da complexa pirâmide multidimensional que foi
erguendo sem meias-medidas, porque ainda
mais do que atordoante belicismo é algo da ordem do sagrado e da eternidade, isto
antes de “Barabba”, numa portentosa ascese crística de obstinações e
vias-sacras, onde o arranque final para casa tudo obscurece - o indivíduo, a
sua circunstância, os seus cadáveres.
Envenenados ou sujos charcos da memória, vales
da volúpia e morte, pólvora anunciada. Primeiro a Mulher que o tenta converter,
depois o Pai dela que lhe descobre a tragédia, por último esse colossal Waco (Broderick
Crawford muito descontrolado, assolado pelo abstracto que rói, muito tocante),
poço de contradições que cristaliza as de Gifford e lhas entrega demarcadas. Por
de volta todos os actores do circo que gira perfeitamente sem o seu volume e o
seu espírito, esses todos que o tornarão imagem da perdição e,
consequentemente, de uma inadaptação à terra. Nele, todos. Em todos, aquele
corpo vergado. Incontáveis milhões de anos, oráculos, resoluções e não sabemos
o que fazer por aqui. Tristes guerras.
E a respiração ecoante que não se pode deixar de
ouvir, pois se cavalga diversamente das tripas e do visco que lhe vem como suor
e o paralisa, falha-lhe, cala-o, consome-o fátuamente na intempérie e na sua
rememoração. Salgação e bafo do apagamento. Entre o presente frontal e a sua
lembrança oblíqua, surge-nos o ser, e a dificuldade ou a impossibilidade de o
domar a bel prazer. “Between Heaven And Hell”, que é, à medida de “The Naked
and the Dead”, “Apocalipse Now” ou “Heaven's Gate”, todo enlaçado em plano sequência,
todo, malgrado ou até mais pela sutura classicista e temperamento camaleónico (magnético), a quente ou a frio conforme. Uma totalidade.
Regras e cátedras a falecerem no fluxo cósmico que tudo varre, abarca, possuí, interpreta
e pergunta. No centro de todo o estardalhaço, em todas as direcções, o cúmulo
da síntese e do foco essencial, fluindo sem escape. Como um vento novo muito
livre e muito sabido, avisado, que quer ver as coisas sem se intoxicar. Límpido
porque consciente de tanta angústia, sofrimento, hermetismo, consumição,
corrupção. E ao diminuto ou titânico, denso ou pueril, filósofo ou vagabundo, afecto,
desprezo – a mesma intensidade da verdade…ou, se ainda puder ser, da crença.
A nossa inadaptação à terra, é isto, para se
viver tem de se saber amar e morrer e matar. Tantas vezes tudo no mesmo palco.
E a estupfacção disso.
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