quinta-feira, 23 de janeiro de 2014





notas autobiográficas

nascimento: Lisboa, Maio de 1948, freguesia de São Sebastião da Pedreira


«Nasci inoportunamente de um casamento que não deveria ter acontecido. Um pai nascido numa família abastada mas arruinada, de valores decadentes. Mãe de família elitista, remediada, de valores elevados. Já existiam duas meninas e, da esperança que eu fosse rapaz, o prémio de consolação foi ter nascido bonita. Cresci entre mulheres, alternando estados de depressão com os de revolta, sem obter grandes resultados. Para fazer o complementar dos liceus, frequentei nove colégios, tendo sido convidada a sair de alguns. Casei aos dezoito anos com um esquizofrénico de quem tive um filho, que cedo se fartou de tudo isto; morreu aos trinta e um anos num acidente de viação. A minha passagem pelo cinema começou em Bruxelas, quando desisti de estudar psicologia (tentativa de entender o então meu marido, que se fartou de o ser e partiu algures para o Brasil) e resolvi experimentar uma escola de cinema que me pareceu bem mais divertida. Já em Lisboa, tive a ilusão de poder conciliar a subsistência com uma vida criativa e mais comunitária, participando na formação de uma cooperativa de cinema, a Cooperativa Virver. Aprendi muito sobre o comportamento humano e o suficiente sobre cinema, que me permitiu realizar O Movimento das Coisas. Depois, já desiludida, fechei-me em casa a bordar, desenhar, pintar, ler, ouvir música, e a receber os velhos amigos do passado e os novos que não estivessem ligados ao cinema. Assim sobrevivi durante alguns anos, saboreando a liberdade de gerir o meu tempo graças ao apoio da família e de alguns amigos, e ao meu trabalho na criação e restauro de peças e objectos que vendo em antiquários. Recentemente, arranjei trabalho numa loja de fotografia para poder vir a ter uma reforma um pouco menos miserável na velhice.

Manuela Serra, 2000

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