quarta-feira, 8 de outubro de 2014
Minor ou Major, mas ressalvando já que o acho espantosamente à altura de tudo o resto, "Mary of Scotland" é uma das viagens mais indómitas e delirantes da obra de Ford, que continua a escapar aos chamados Fordianos por aparentes desvios incontroláveis, daí muita da sua rejeição. A romântica e acossada Hepburn imprime o seu carácter e a sua vontade à forma, ao ritmo e ao tom incandescente como irredutível de um todo sôfrego mas imponentemente erigido. A marcha vai da surpresa inicial e da paz podre, sempre com a inquietação ontológica a acariciar o repouso (anunciada nos grandes-planos nunca tão grandes), cavalga para a vetusta inveja e para o desafio ao fanatismo vestido de profecia moderna, liberta-se e desfaz-se em enganadores acordos e nas pagas fatais; para antes da abismal e pacificadora - é este paradoxo a chave - ascensão aos céus, ter o seu momento absolutamente perfeito do instante fugaz. Momento que complementa em êxtase e eternidade com o filho arrancado dos escritos. Estrelas negras, cadentes, brilhantes, ofuscantes, talvez propícias, recantos sombrios da infância e do segredo do berço convocados para pincelar o que nunca vemos e já só nos chega pela palavra e pelo rosto indomáveis; são esses mistérios universais que tecem e ordenam as sombras, que obscurecem os quadros em vertiginosas composições numa consonância com o tremente presente, são elas ainda que desafiam destinos. Vinte dias de amor a valer a plenitude, esses que jamais se trocariam por séculos de Reinação. E o amor e a morte para lá da lógica comum, numa irracionalidade que quebra todas as barreiras dos tempos e dos espaços, toda a física, resiste e ultrapassa a prova do toque da carne e da posse do corpo, atravessa e devora raios, trovões, árvores e firmamentos caídos, mares e rezas em suplicio final. Êxtase dos sentidos e dos fundos. Romantismo anárquico (mas com foco bem claro) e aniquilador (o que não mata endurece) da mesma fibra de Ethan Edwards, em limites e deslimites que anunciam toda a pancada de um futuro François Truffaut (é comparar a "L'histoire d'Adèle H.") ou que para trás falam a Barnet ou Murnau. Camilo. Schubert. Inarrumável. Pulsante.
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