De “O Velho do Restelo” se poderia dizer - um
jovem inconsciente ou alguém muito adulto preocupado com a carreira - que se
trata de um vídeo experimental. Em qualquer dos casos, será preciso prestar
muito namoro ao lado inútil e mundano com que se tem tratado a questão de ligar
imagens e sons, a tal da luz embrenhada com a sombra, etc. Se um aluno de uma
escola de Cinema, ou um realizador na crista da onda, propusesse ao professor
ou ao produtor o que Manoel de Oliveira ousa aqui, tal patrão olharia para o
subordinado com fúria tal que esse ("A água bate na rocha, mas quem paga é
o mexilhão") procuraria nova profissão. Imagine-se a equação: “quero
juntar num banco de um jardim indiferente Luís de Camões, D. Quixote, Teixeira
de Pascoaes e Camilo Castelo Branco, pedaços de filmes meus, pedaços de filmes
alheios e de literatura clássica, mar e natureza bruxuleante, para criar uma
sinfonia total em que o passado comenta o presente, as misérias as festas, o
antigo faça corpo com o novo”. A tamanho delírio, juro que eu ou quem quer que
fosse só poderia considerar louca tal persona, e reprovava, e era despedida. Mas
Oliveira é Oliveira, o que não quer dizer privilegiado, mas sim um animal (na acepção
mais selvagem e instintiva do termo) que a tudo e a todos resistiu pelo século da
modernidade e do vale-tudo rumo a uma beleza convulsiva (tão nova, tão
esquecida) que só admite jorrar pela quebra de todo e qualquer prossuposto normativo.
Os novos mundos e o rasgar de Camões, a alma e cavalgares de Quixote, o fogo e
a desconhecida animação víscera de Camilo, com a lucidez assombrosa de Pascoaes, sempre mediador.
Tal desassombro, tamanha calma, inextinguível chama, desejos vividos – não
inventar nada de novo e entrar pelos caminhos mais desconhecidos sem
pestanejar. “O Velho do Restelo” é ver Luís Miguel Cintra a ser Viriato ou o Poeta
mirolho da humanidade; Alcácer-Quibir em redução com todos os ecos fora de
campo de um extermínio lento e de permitida consumação que nos cerca. Parece
pouca coisa, mas estamos a um tempo na vida jovem e nas guerras imemoriais. Fim
e princípio, sempre as voltas dos grandes. Como se fosse um “vídeo
experimental”.
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