“The Appaloosa”, Sidney J. Furie, 1966
Sidney J. Furie, depois realizador da
série “Iron Eagle” ou de uma continuação do “Superman”da
era Christopher Reeve, ainda em actividade e já uma carta fora do baralho faz muito tempo, fora de
qualquer conversa “séria” e jamais proposto para retrospectiva mesmo que parcial.
Mas se não formos a mais lado algum existe o ano de 1966, e existe
“The Appaloosa”, feito cinco anos depois do Rimbauniano “One-Eyed
Jacks” e sete anos antes dos calvários e das fidelidades de “Pat
Garrett & Billy the Kid”. Furie abre a caminhada de mais um
homem que regressou de longe demais e que tem todos os passados e
massacres e tempos cravados no rosto, no corpo e no fogo interior, de
forma serena, chã, espalhando o vento a sua ternura pela paisagem
que tanto irá ser magnificada pelo recorte horizontal. E o
andamento, a candura, essa doçura ao mesmo tempo crepuscular e
iniciática poderia durar para sempre. E Furie já estaria ao lado
dos grandes. Tal como o sublime de molde único realizado por Brando
iremos ter momentos e momentos esfregados a lua, estrelas e pós
diáfanos.
Mas o homem como que aterra novamente
na civilização e começam os ângulos subjectivos, barrocos,
demenciais e desconfiados, desenquadrados como aleatórios; e vai ser
sempre esta a guerra formal do filme, entre a serenidade um dia vista
e almejada, e o olhar e a pele arrepiada de quem como o homem de
Brando já matou muitos outros homens semelhantes e de muitas
mulheres abusou. Entre este ano de 1966 que é também o apogeu de
Sergio Leone e as Sete Mulheres de John Ford vai-se escancarar um
abismo, uma bocarra medonha de negro, que é a viagem de perneio
desta obra forçosamente não concisa. Por isso a perseguição do
cão seguida da entrada desequilibrada na igreja, o confronto mudo
com o simbolismo apátrida e ferido de Emilio Fernández e o desejo
ligado com a traição e o pecado e a libertação no encontro com a
mais misteriosa das mulheres é a representação narrativa e
espacial dessa batalha que também é entre a postura clássica e
vertical com a cobardice e o niilismo degradante.
Appaloosa é o nome do cavalo que
despoleta o conflito, mas logo depois da breve estadia em casa com os
seus – tão breve como em “The Searchers” e mil vezes
humilhante – no ponteiro agudo em que se abre e reprime diante da
mulher pura e proibida que terá sempre o expoente do seu amor,
Brando confessa-lhe que vai voltar à guerra não pela vingança ou
pela respeitabilidade mas porque certo dia um estranho pegou nele,
levou-o para uma casa, amou-o e purificou-o e acreditou sempre nesse
menino mesmo nas misérias mais baixas e nos golpes mais profundos.
Brando troca o idílico e a paz de fim de tarde pela memória e por
tudo o que não vemos, e é o acreditar e a frontalidade a imporem
alguma ordem no caos da falta de valores e na falta de tudo.
E a viagem vai piando fino, como no
primeiro encontro com um Moisés retirado que o afaga e o limpa mais
um bocadinho da lama da cantina anterior. E da fina e cortante música
da solidão passamos à tristeza mais lancinante onde todos, muito
velhos e muitos jovens, não se importam de morrer por morrer. O
chefe da quadrilha de sangue envenenado como os duros e nocturnos
escorpiões que lhe basta a pança cheia de tequilha e só a carne da
mulher e não o espírito para puder morrer de qualquer jeito; a
mulher deste que vai traindo Brando e se entregando
incondicionalmente em movimentos e soluções estonteantes de vida ou
de morte; e o Moisés que julgávamos imperturbável, afirmando sem
receios que um dia se cansará e que lhe bastará descer uns passos
para o seu túmulo pronto. Moisés que entre brumas longínquas e
antiquíssimas oferece o túmulo ao par com os pés para a cova,
fazendo-o renascer nesse fundo, sem nada querer em troca - Go down
Moses, e a salvação. E a luz.
Então só poderia ser no sacro enterro
do velho que a mão do destino começa a sua rotação sem travagem, com a
testemunha dos céus grávidos e da terra seca. Daí tudo vira, o
fundamental e os fundamentos começam a entrar em concordância e em
eixos sólidos; para o duelo final ser tão à distância e a perder
de vista como as incomensuráveis paisagens que regressarão
abraçadas com os sonhos interiores. A imagem final, estática,
frontal, eterna, para os altos, é o forçar da comunidade, catedral
da salvação, e mesmo que dure só até ao The End, comporta o peso
do tudo. E das raças todas, sem fronteiras, sem credos.
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