Esta história contada por Jacques
Tourneur em 1955 remetendo para o velho oeste americano na aurora da
industrialização e do lucro cego, este tablóide ordinário, esta
lengalenga cansada, vem na capa do jornal de hoje, onde quem manda
numa aldeia, numa vila, numa cidade ou no mundo não se importa de
ver incontáveis homens e mulheres seus próximos morrerem desde que
seja vendida a carga necessária. Mas Tourneur mostrou-a no máximo
da depuração possível em cinema, aproveitando as formas e linhas
planas e harmónicas dos vales e dos montes, a sua semelhança com os
íntimos corpos humanos e com os grandes órgãos vitais da natureza
cósmica, para ver também assim na degradante cidade, atingindo a
arte das imagens e dos sons relacionados a plenitude vingativa pela
incomensurável lupa – quem é bom é bom, quem é mau não tem
escape, de onde as palavras dos argumentistas cingem-se ao evidente e
à poesia do quotidiano, ao nível das paisagens belas e uteis.
O momento mais bonito do filme, tão
bonito e justo como o cair-do-sol da despedida onde o casal ruma em
direcção à justiça última em consonância com o amor e encaixe
destinados, é um vulgar travelling de acompanhamento entre o comum
Wyatt Earp do certo Joel McCrea e o ajudante do editor do jornal -
editor que é mais um genial Mark Twain no cinema americano: tudo
sabe pelos sentimentos primários e não-ditos, percebe logo a
vocação de cada um e de cada coisa, a dádiva de cada qual –
travelling funcional onde o jovem aprendiz Bat Masterson vacila um
pouco depois de ter feito o que é correcto, depois de ter “crescido”
para o arrivista de serviço, deixando o grande medo picar por
instantes; mas quem tem o mito aliviado de Earp ao lado ou o melhor
amigo tem tudo e este afirma-lhe que não podia ter procedido de
outra maneira... pois não? E ri-se, e o jovem ri-se com ele.
“Wichita” é sobre esses grandes
temas do telejornal das vinte horas mas é sobretudo um filme sobre o
nada essencial. O nada das planícies luzentes... do vento nas ervas
rentes...do sol a desaparecer por detrás dos altos... do inescapável
dom que já vem com o cordão umbilical e que não se corta nem se
vende. O dom que Twain não para de apregoar e que tem obviamente
escrito morte. Vida e morte. Toda a entrega ao rumor interior e ao
gesto absoluto é o sagrado, a assunção e o calvário. Tourneur
ligou as questões mais antigas aos termos mais simples e à equação
mais complexa.
Não fazendo sentido egocentrismos
profissionais, pressão de autor, brilhos mediáticos do ouro banal
ou molde festivaleiro. Tourneur foi o cineasta simples e fascinado
que baseou toda a sua obra nas historinhas que a mãe lhe contava
mesmo antes de adormecer e entrar noutro mundo. Da luz e do segredo.
A brilhar na caixa de música da infância. Sem ninguém em volta ou
com o melhor amigo.
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