George Cukor, o cineasta das mulheres,
o sofisticado homem do teatro, filmou em “Wild Is the Wind” o que
o título indica, uma história de vento, ou do vento. Partindo de um
claro interesse documental, o registo dos ofícios e da manufactura
daquelas regiões agrestes americanas pós western, com os
cães que domam as ovelhas como no país basco, o parimento delas e a
selvajaria mais bonita quanto perfeitamente incontrolável,
encontra-se nessa vida animal, bestial, orgânica e natural toda a
simbologia ou consanguinidade óbvias para com as poderosas pulsões
desejantes, tanto sexuais e básicas como afectivas e fundamentais da
parte da ficção. O amor, a violência e o vento. Cukor capta,
apanha no turbilhão, a massa possível de uma visceral história de
vento, vento que acaricia, ameaça, salva, acompanha.
No começo, um par, Anthony Quinn,
italiano na América que sabemos que perdeu a mulher, e saberemos
depois que com muitas culpas no cartório, decide ir ao seu país de
origem buscar a irmã da falecida. Quer casar-se novamente com a
morta mas escolhe uma viva, não sabendo da impossibilidade de tais
milagres, trocas ou compras. E trata de tratar Anna Magnani, a
escolhida, como os seus animais, querendo doma-la como domou o cavalo
que lhe oferece, beijando-a defronte do espelho que contém e
reflecte a morta, utilizando-a assim para o sexo e para a sua imagem
de fama, não vendo nela uma outra.
Só que não percebe que um animal
fervente como Magnani, um vulcão em constante irrupção, jamais
poderá ser domado sob o risco de morrer interiormente e logo
exteriormente. Nem alma nem carne. Essa mulher que caiu no centro do
turbilhão e da cacofonia da família já constituída e acabada, só
se vai entender com os animais, suficientemente verdadeiros como se
deve ser para com os da sua raça. O tempo avança a mata-cavalos,
literalmente, e forma-se o trio. Magnani encontra outro inocente e
necessitado que é mais um filho de Quinn e que parece ser um Dancin'
Kid de Nicholas Ray, e ambos se reconhecem no alívio premente e
literalmente se devoram. Espécie de Dancin' Kid que nasceu prometido
à filha de Quinn. Filha que gosta muito de Magnani e que não se
importa de a ver como Mãe. Explode ou implode um quarteto
inaceitável.
E todos bailando no meio do vento e
cercados pelas míticas montanhas mágicas da América mais do que
mitificada – Charles Lang no auge da beleza crua e perfeita a um
tempo, sem bilhete-postal - mesmo o Quinn que tudo julga dominar e
controlar como Deus a seu belo prazer, se vão perder, enganar,
suspender em abismos irresolúveis, praticamente matar e ressuscitar
a ferros, para começarem a ver e a sentirem alguma coisa mais para
lá da compostura das aparências e do esperado. O que Quinn quer é
o que todos os “donos do mundo” de ontem e de hoje querem, mesmo
que não seja culpado e se mova cego na engrenagem que o cegou,
dominar cada peão no desmedido tabuleiro que criou e não admitindo
falhas no seu esquema perfeito e maior do que tudo e do que ele
mesmo. Atingidas certas proporções e posses, toda a vida, todo o
tempo e mesmo todo o físico e saúde de touro de um Quinn, só para
esses fins argentários e falsos serão aplicados.
Cukor, um dos cineastas mais
narrativamente possantes dessa época – os seus filmes são densos,
maleáveis e complexos como um corpo humano o pode ser na estrutura
infindável de músculos, gorduras, veias, ossos, etc., etc., ou como
um romance cósmico e total que vai a tudo e a todas as ficções e
documentos e féeries de um Thomas Mann – captou Magnani
documentalmente como o vulcão italiano perdido no imperialismo e
extrapolou de Quinn a força castradora que tudo pode devorar, o
humanismo em primeira instância. Mas de hecatombe em hecatombe, de
incompreensível e de segredo em segredo, a panela de pressão
arrebenta e advém novamente o vento. Para os protagonistas limparem
a vista, as razões e o coração. “Wild Is the Wind” é a
passagem afagante, lenta e dolorosa do “eu quero” para o “eu
espero”. Da violência da imposição sem escolha para a
generosidade com todas as possibilidades de selvajaria da liberdade e
assim de uma fidelidade superior. Por isso mesmo o final não é
feliz à força nem batota dos estúdios fascistas mas a visão
límpida e dolorosa de um depois da tempestade. E George Cukor como
cineasta do físico e da alma, ou do caminho tortuoso para esse
entendimento e encontro. Imensa carícia.
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