sábado, 23 de dezembro de 2017
"The Amazing Transparent Man", Edgar G. Ulmer, 1960
“The Amazing Transparent Man” é um aviso terrível à humanidade e uma amostra de todos os nossos limites inexistentes. Aviso que junta a era moderna, a ciência, a malfadada realidade virtual, as guerras mundiais (as frias e todas as cobardes incluídas), a sede do domínio universal, o fim do mundo como objectivo primeiro. Amostra que só um realizador do génio, da clareza e do inventanço de Edgar G. Ulmer seria capaz, utilizando o visionarismo de Max Reinhardt para na contagem decrescente rumo à explosão e ao buraco negro absolutos que cavalga em salas claustrofóbicas e em espaços abertos tratados com as mesmas coordenadas espaciais e pressão atmosférica (mesmo que ainda se sinta a respiração da natureza indiferente), nos fazer ver atomicamente os nossos esgares abjectos, o nervo futurista, a loucura da posse e do apelo à condição de Deus. Ulmer persegue e fixa um bailado de almas penadas que tanto odeiam o seu poder como o querem extrapolar sem objecto nem propósito; como a luz e a sombra, o cientista que viu demais e se cegou e o Major que liga Hitler aos actuais líderes norte-coreanos e norte-americanos; um Fausto que por uma vez não vai vender a queimada alma visto um breve lampejo de luz certa e as mulheres trancadas que se sacrificam num reduto de derradeira pureza. A alma, o invisível, e a matéria e o nada do tudo, é essa a luta primordial desta empresa aflita que apenas parece adiar a lógica reverberativa dos ciclos terrenos e dos esquecimentos. Mas a redenção, a luz maior, uma esperança ousada, talvez esteja mesmo na maneira como Ulmer transmite a dignidade do homem, lembrando a sua presença, o seu peso, a sua possível beleza, o poder transcendente, não com glorificações vácuas mas com o poder do cinema, o seu ofício: estando ele transparente, invisível, morto, nada, ainda é tratado com o campo / contracampo da realização clássica como se ele continuasse inteiro, com corpo, rosto e olhar perto da síncope, é esse momento sublime no carro rumo ao roubo que despertará outras consciências mortas. Depois há aquele guarda da mansão demoníaca que baixa a arma porque acredita na palavra da mulher, o sacrifício de Fausto e o cogumelo aninhado, o diálogo final entre a tentação paradisíaca e a soma de todos os medos. No centro do degredo máximo, Ulmer ainda concedeu todo o espaço, todas as escalas e tempo ao ser, concedeu-lhe um coração para uma tal da alma, não acreditando no nada. Um valente.
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