Só mais isto: continua a ser impressionante a firmeza de um homem rumo à destruição e ao desprezo da maior praga do cinema e do audiovisual das últimas décadas: o naturalismo do tempo e dos gestos, a cópia-carbono do dia a dia, a ilustração. Oliveira já não necessita dos apêndices e das bengalas que praticamente todos os restantes realizadores precisam, basta-lhe o fundamental e o substancial , daí uma densidade e uma condensação total. Cada quadro é um tudo ou nada, cada quadro é um mundo e parece conter lá dentro o absoluto. A vertiginosa dialéctica estabelecida entre o velho e o novo; o texto de Eça e a Lisboa/Mundo contemporâneo; A crença no cinema como algo que põe ordem no cosmos e nas coisas, dito isto, temos todos os mistérios, a todos os instantes, no fora de quadro ou no som, nas luzes ou nas sombras dentro dele. Nos humanos. Sim, cinema de alguém que sabe tudo, mas cinema novo, fresco, com coisas perfeitamente inauditas, porque jamais duas janelas e uma rua a separá-las foi utilizada com esta essencialidade e, volto a dizer, vertigem. Porque aquele travelling rumo à tocadora de harpa, e logo ao par, não existe e só Oliveira assim o inventou. Ou porque em termos de planos novos, aquele que têm em primeiro plano uma mesa de jogo e em último Luís Miguel Cintra, a declamar Pessoa (até a uma coisa destas temos direito), também só existe uma vez. Ou aquele inicial, no comboio, em que o tempo entra mesmo… Grande filme pedagógico, pois nos dá a conhecer coisas, história, factos, os homens, mas, sobretudo, porque nos lembra o que o cinema foi e o que ainda pode ser. Gigantesco.
quinta-feira, 30 de abril de 2009
em 64 minutos, o mundo todo.
Só mais isto: continua a ser impressionante a firmeza de um homem rumo à destruição e ao desprezo da maior praga do cinema e do audiovisual das últimas décadas: o naturalismo do tempo e dos gestos, a cópia-carbono do dia a dia, a ilustração. Oliveira já não necessita dos apêndices e das bengalas que praticamente todos os restantes realizadores precisam, basta-lhe o fundamental e o substancial , daí uma densidade e uma condensação total. Cada quadro é um tudo ou nada, cada quadro é um mundo e parece conter lá dentro o absoluto. A vertiginosa dialéctica estabelecida entre o velho e o novo; o texto de Eça e a Lisboa/Mundo contemporâneo; A crença no cinema como algo que põe ordem no cosmos e nas coisas, dito isto, temos todos os mistérios, a todos os instantes, no fora de quadro ou no som, nas luzes ou nas sombras dentro dele. Nos humanos. Sim, cinema de alguém que sabe tudo, mas cinema novo, fresco, com coisas perfeitamente inauditas, porque jamais duas janelas e uma rua a separá-las foi utilizada com esta essencialidade e, volto a dizer, vertigem. Porque aquele travelling rumo à tocadora de harpa, e logo ao par, não existe e só Oliveira assim o inventou. Ou porque em termos de planos novos, aquele que têm em primeiro plano uma mesa de jogo e em último Luís Miguel Cintra, a declamar Pessoa (até a uma coisa destas temos direito), também só existe uma vez. Ou aquele inicial, no comboio, em que o tempo entra mesmo… Grande filme pedagógico, pois nos dá a conhecer coisas, história, factos, os homens, mas, sobretudo, porque nos lembra o que o cinema foi e o que ainda pode ser. Gigantesco.
quarta-feira, 29 de abril de 2009
Tudo com uma paciência, uma crueza e logo uma serenidade, de bradar aos céus. Há quanto tempo isto deixou de ser possível? Cenas como as que Marina Hands e Jean-Louis Coullo'ch vivem dentro da cabana? Falta reiterar que “Lady Chatterley” é um dos 2/3 filmes que mais me interessam, e mais me continuarão a interessar, desta década.
O princípio é simples então: catapultar idéias contra experiências, observar escrupulosamente e ver o que resulta daí. A experiência é para Rohmer um pouco o que foi para Hawks: a única realidade, que nos informa onde estão o possível e o impossível, recusando o segundo, buscando esgotar o primeiro. Toda idéia que não foi experimentada- ou seja: encarnada, filmada- não existe. A mesma coisa com os personagens: para que lhes seja consentido “ver” alguma coisa, é-lhes necessário um périplo, uma iniciação, uma prova ao termo da qual eles terão merecido o que já possuíam, mas que deveria tornar-se mais interior ( devenir plus intérieur), melhor assimilado por eles.
Eric Rohmer, por Serge Daney
segunda-feira, 27 de abril de 2009
um mistério…
"Der Rosenkönig", Werner Schroeter, 1986
...
Ou como disse João Bénard da Costa, “filme que luz”. Isso e umas palavras de Pedro Costa, a propósito dos filmes de António Reis e Margarida Cordeiro, “Não posso deixar de os ver sempre assim, ignorante de títulos, cenários, assuntos, histórias. Sei que, fatalmente, estarei sempre em igualdade com o momento visto, sem mais nem menos armas, sem mais nem menos emoções que aquelas defronte de mim. Só o presente existe, um fio sem origem nem morte. É comovente porque é uma pura experiência sensual da durée. O rapazinho de ANA... repare como o seu delírio febril parece eternizar-se. Todos os espaços reais e mágicos – quarto, capoeira, falésia - tornam-se a mesma coisa e já outra coisa, animados pela terrível energia dessa vida das formas que ele tanto respeitava e que lhe retribuía todos os segredos e todas as audácias. Eis um rapazinho perdido, suspenso no espaço imenso. Eis o próprio espaço imobilizado. O que o António e a Margarida tentam fazer é curá-lo da sua doença, que é o tempo.”
Não sei que diga, mas estas palavras vieram-me constantemente à cabeça durante a projecção deste filme de Werner Schroeter. Acontecem-me destes raccords inesperados, que na altura fazem sentido absoluto, mas, pondo em perspectiva, nada mais verdadeiro para mim…é a doença do tempo/espaço suspensa, a ausência de uma narrativa castradora ou significante, é a entrada no mundo onírico das imagens e dos sons que só o cinema assim pode aglutinar. Uma perdição e uma descida libertadora ao desconhecido que nada mais é do que uma desmesurada inversão dos pressupostos habituais, aqui toda a pressão das leis e dos cânones ficam em elipse para sentirmos a febrilidade e a duração do momento, a sensualidade também. Pulsões, duração, suspensão…
domingo, 26 de abril de 2009
Chamámos a Gance um “falhado” e, recentemente, um “falhado genial”. […] A questão é saber se é possível ser-se, simultaneamente, genial e falhado. Eu creio que o falhanço implica talento. Conseguir é falhar. Quero, então, defender esta tese: Abel Gance, autor falhado de filmes falhados. Estou convencido de que não há grandes cineastas que não sacrifiquem algo: Renoir sacrificaria tudo (argumento, dialogo, técnica), em prol de uma melhor interpretação por parte do actor; Hitchcock sacrificaria a verosimilhança policial para beneficiar uma situação previamente escolhida; Rossellini sacrifica os raccords de movimento e de luz em troca de maior frescura – ou calor, é o mesmo – dos intérpretes; Murnau, Hawks, Lang sacrificam o realismo dos enquadramentos e do ambiente; Nicholas Ray e Griffith, a sobriedade (noção de sacrifício nas obras geniais.) Ora, para a equipa ancestral, num filme bem-sucedido, todos os elementos contribuem de igual forma para um todo, que merece o adjectivo de “perfeito”. Mas a perfeição, o sucesso, considero-os abjectos, indecentes, imorais e obscenos; a propósito, o filme mais detestável é, sem dúvida, “La kermesse héroïque” [de Jacques Feyder, 1935], por tudo o que contém de concluído, de audácias atenuadas, de sensatez, de comedido, de portas entreabertas, de caminhos delineados, e somente delineados, de tudo o que é agradável e perfeito. Todos os grandes filmes da História do Cinema são filmes “falhados”."
François Truffaut,
“Abel Gance, désordre et génie”
(excerto)
“Cahiers du cinema”, n.º 47,
Maio de 1955.
sexta-feira, 24 de abril de 2009
Dreams. Floating. I like free forms. Images flashing by have more weight than a coherent narrative. The movie theater to me is like a vehicle transporting the audience to uncharted territories. Sometimes it is just beautiful to look and not think-like when you take a journey in a foreign land. Sometimes you let your mind drift off, so there are double narratives going on. That's very interesting to me.
A.W
quarta-feira, 22 de abril de 2009
Isso não posso aceitar…
* sobre "Rois et reine ".
terça-feira, 21 de abril de 2009
segunda-feira, 20 de abril de 2009
uma auro fatal, uma luz negra, a maior parte das pessoas com quem se cruza’.”
....
certo. certíssimo. é o que me interessa em absoluto no filme. essa assustadora fatalidade. esse desinteresse consciente pelas coisas. por todas as coisas. por todas menos uma. assusta? assusta.
sábado, 18 de abril de 2009
Dito isto, como são interessantes as relações incestuosas que por lá vão sucedendo, por aqui, pelos actores e pela Ana Moreira vale o filme de barroso.
Mas enfim, pode não ser nada disto e quando o filme sair para as salas vou rever. Talvez diga qualquer coisa.
terça-feira, 14 de abril de 2009
gravidade
Não sei, não sei se gosto do filme de Hill. Têm méritos, evidentemente, está filmado com aquela classe dos artesões, têm uma reconstituição histórica que parece mais do que perfeita, é muito bem iluminado – sombras onde devem estar, luz onde têm que entrar – nessas coisas todas não falha, não falha mesmo…mais, mesmo as reviravoltas e os truques da narrativa têm um gozo que no cinema americano mais recente só soa a esperteza de “jovem criativo”. O que falha o que falha? Alguma coisa falha. Explicando: é só um deleite, quase um brinquedo sem mácula, uma peça de fabrico numa grande linha de montagem. Um produto de luxo para consumir e não fazer muito caso. Mesmo que Newman/Redford transpirem classe a cada plano, dito isto, são a única coisa distinguível no todo. Dois grandes actores americanos, em irrisão permanente. È, de facto, para ver.
Melville é de outra grandeza. Dir-me-ão que é a diferença entre o grande cinema de autor francês e o cinema americano por essa época, passado o dito “período clássico”, responderei que não só isso, que não isso, que isso é o que as escolas têm para dizer. Melville é cósmico na sua pequenez, não só o mundo por onde os homens andam é mesmo mundo, como nos homens está contida toda a dor e toda a complexidade do conhecido e do desconhecido. Fala-se em máquinas perfeitas, formalmente, mas vasta Melville dizer “acção” que logo o máximo de planificação se transforma no máximo de abertura ao insondável, no máximo de gravidade, tudo a um tempo. Gravidade, é o que falta às máquinas de classe de Hill ou de Soderbergh (por exemplo...), uma qualquer transcendência que ponha fogo ao papel de lustro. Pode-se dizer que em “The Sting” existe um vislumbre disso, naquela cena em que Redford se mostra vulnerável e solitário à porta de uma mulher, “duas da manhã e não conheço ninguém”, mas soa a utopia de algo pronto a ser projectado, mas assim lamentavelmente aprisionado pelas regras do jogo.
Uma panorâmica de "Le Samouraï", uma e não mais do que uma, e…tudo, a mim parece-me tudo, conter tudo o que até hoje vivi, o que lá está no campo e o que fora dele está. E onde o francês com nome de escritor americano diz ter ido buscar tudo, ou quase tudo? pois é…mais vale estar calado e deixar falar que sabe.
p.s: adorei ver o “The Sting”.
quinta-feira, 9 de abril de 2009
Um elenco perfeito, uma narrativa perfeita, como um mecanismo. É preciso ver a fabulosa sequência inicial (a evasão de Gian Maria Volonté do comboio) para se ter a noção do que é o cinema de Melville, uma espécie de organização onde nada falha e tudo parece estar no seu lugar. Yves Montand, assombroso, no arrombador de cofres alcoólico. A perfeição chama-se Melville.
Cinemateca Portuguesa.
Essentially, Melville's cinema is a highly complex and regulated thing within which nothing, not an edit, a gesture, a sound or a camera movement, is wasted (though it is often also stylistically adventurous). It is a curious entity, a self-conscious cinema that lacks self-consciousness. It is also a curious hybrid combining aspects of Cocteau, Bresson, Carne/Prevert, Huston and the gangster film, while at the same time producing a concomitant sense of restraint and withdrawal. Melville's cinema is essentially tonal: a sensibility (melancholy, poetic, unhysterical) which is founded upon a 'purity' of style, performance and narrative action (which is like and yet remarkably different to Bresson). Some of the greatness of Melville's later films can be found in this interpolation of a consistent, non-melodramatic, and almost abstract style with elliptical but quite classical dramatic structures.
Adrian Danks
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Uma ciência da mise-en-scène, sem dúvida. Uma perfeição. Por vezes junto ao etéreo. Celestial. Gélido nos extremos. E o mais fascinante, tudo logo transcendia para o misticismo, como em Bresson. Mas, na mesma medida em que Hitchcock quebrava a absoluta perfeição das superfícies insuflando uma demência sexual, uma extrema ironia, os jogos do destino ou uma morbidez por vezes saliente, aquilo que torna os filmes de Jean-Pierre Melville emocionantes e tocantes, de uma só vez, é a solidão em que os seus personagens habitam. Solidão, solidão por vezes extrema, mesmo que tenham uma mulher para visitar, certo companheiro a encontrar, uma discoteca para passar, lá andam eles nos seus percursos, pelas ruas, pelo fim-do-mundo… os samurais, policias ou ladrões, solitários, desconsolados, sem grande coisa a esperar da vida a não ser executar as suas tarefas e o seu trabalho na mais absoluta exactidão. Sem olhar para trás. “Le Cercle Rouge” é um relógio suíço, um exercício matemático, mas depois temos a personagem do alcoólico, a coragem com que suspende o vício e a dor para pôr em prática os seus dons – “o homem é aquilo que faz”. E por aqui, o cinema de Melville torna-se o mais acabado e o mais caloroso.