Marco Ferreri em “La dernière femme” como em muitos
seus outros filmes é lacónico, violentamente lacónico: num planeta agora ainda
mais reconhecível, planeta inorgânico malgrado as puxadas cores e velocidades,
seco, feio, esse grafismo industrial e tão falso só pode ser quebrado,
estilhaçado, perfurado, vilipendiado por coisas primeiras, cristalinas,
carnívoras, desejantes e desejosas. No início, os corpos. Ao plástico soberano
Ferreri vai apontar à carnação em bruto em planos mais do que grandes, transpirados,
convulsos, lascivos, ternos e emporcalhados, puros como antes de todas as
coisas ou de todos os chamados pecados. A resistência pelo grande-plano que é
aproximação, carinho, pulsão, loucura. Crença do lado do sagrado. Esses
impulsos sobre território perdido - nostalgia como num milhão de aves que
ressuscitassem de um passado século para cenários quais queres que podem ser os
do inicio deste filme - antes de, dos animais, antes mais ainda, regressos,
tempos parados ilusórios. Purezas como os brancos que cobrem escondem corpos
quentes e ontologicamente viciosos. Em dados momentos, em dadas temperaturas,
descola-se do terreno. A graça. Mas a graça que antecede ou sucede a
bestialidade em sucessões e estados contrapontísticos verdadeiramente escorregadios
e imprevisíveis. Tamanhas convulsões nas regiões e relevos dos rostos, lábios
húmidos e em fogo, puros corpos desnudados vão volver-se pelicula e a pelicula
vai executar a transmutação contrária. Todo a operação ou tomada de vista do
filme são reinvenções de distâncias que ao lixo sofisticado de uma pobre
humanidade tem a ousadia de tal como a varinha mágica de uma fada ou de uma
bruxa possibilitar estados originais em que o homem a mulher como adão e eva e
um paraíso escondido não só tem todas as hipóteses irracionais como nos braços
a semente de um futuro. O tempo ali estancado no quadro quando os corpos se
entrelaçam, tempo presente e portais de eternidades. Ao planeta aniquilado
opõe-se recomeços e cantos de possibilidades, devaneios, liberdades. As
distâncias – do mais do que evoluído até ao amador. O amador, salva. Dos
intangíveis fundos até à correspondência entre o grau primeiro e o porno (porno
mas o porno que importa, o urgente, escaldante, onde todo o orgânico de facto
pega fogo a dado momento ou a todo o momento; o das vísceras e dos líquidos e
das peles e suores em afinidade com a câmara que ou se extasia quieta a ver ou
também fode). A narrativa: o homem e o filho que sozinhos veem entrar casa adentro
e vida adentro a mulher que para eles se entrega em troca de nada que não as
pulsões naturais satisfeitas. Mulher que poderá então vir da plataforma
celestial. Algumas perguntas nenhumas respostas ela caiu do céu. Satisfazem-se,
vão ao pleno, corrompem-se. Algo se impõe da parte dele talvez essa mitológica
ameaça de superioridade que ele tem dentro. Que alguém tem dentro. O poder da
pila, a pila como a única coisa que vale e que verdadeiramente vibra, diz ela
até à loucura do corte final, mas ou é só isso ou é sobretudo a história disso.
Algum elo fulcral se parte talvez por isso como acontece na mulher de “La
Cagna” ou nas mulheres de "La Grande Bouffe". Ela não é menos
inocente ou é-o como ele absolutamente, importa marcar. O celestial torna-se
material e aí pronto para erosões várias. Maria, José, a Criança – a ordem
altera-se. O tal do fruto. O desregramento e a miríade das largas e ambíguas liberdades
contêm dentro a semente da podridão, da degradação, nem a perfeição absoluta salva,
sobretudo algo da perfeição será sempre o dínamo que viola os momentos mais do
que perfeitos de sexo e de irrupção e de paz e de vida e assim mesmo atrofia a
existência. Algo da ordem do pleno ou só da sobrevivência. Muito se embate com
a parede muito se é feliz muito tudo se esquece quando o grande plano se forma
e enforma e tudo vai para a lixeira logo que a fealdade do dito planeta ou do
grande abstrato se impõe; e ao pequeno em grande sucede o monumental e o horror.
Fatalmente se impõe. Eva, Adão, Maria, José, qualquer um, o menino Jesus. O
tempo corrói, o tempo como dádiva e horror é o centro da vida como é o centro nefasto
de um certo Ferreri; tempo que escorrega sempre para a frente, sempre para a
frente mesmo ou sobretudo aquando das memórias, belas ou ruins. O tempo sempre
esse fascínio esse malvado esse grão incircundavél que se destila e tudo abarca
tudo abafa tudo acaba, o centro, i.e, muito mais do que rabos, seios, coxas,
vaginas, escancaramentos, etc. O tempo.
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