segunda-feira, 12 de agosto de 2013

 
 
Assim como em “These Thousand Hills” a balada brotava ao invés dos típicos acordes ou americanas do western acabado, em “Armored Car Robbery”, que abre os fifties, Fleischer esquece toda a panóplia plástica e simbólica do filme negro ou do policial, com mulheres mais evoluídas e redondas do que as fatais e cigarros queimados sem aura, para ir em direcção a uma fisicalidade e a um magnetismo que irá sempre em ebulição ao longo do muito diferente que fará. Seja na “The Girl in the Red Velvet Swing” e na sua tórrida lírica, ou num dos que mais fala com este, “The New Centurions” ou o desossado cagufe da solidão.
 
Nesta explanação e análise de um roubo planeado até à exaustão por um cabecilha tão obcecado como o Sam Jaffe do “The Asphalt Jungle” ou o Robert De Niro do “Heat”, esse Dave Purvis tornado maníaco por um William Talman consumado, tanto retira as etiquetas da roupa como mata quem tiver de ser por uma finalidade superior - o não deixar rasto nem memória. Ou seja, não dar margem ao incontrolável, à surpresa, ao que dele não dependa. Missão que é uma teia aritmética de queda, com mulher em disputa.
 
Fleischer começa por se instalar em vários lados, a ver como funciona o campo e arredores que escolheu. Ao lado dos ladrões, dos polícias que os caçam, dos bastidores da ordem e nos bastidores de uma bailarina que trocará as voltas e os princípios a quem julgava não mais vacilar. Nunca impondo uma autoridade esmagadora. Costurando o suposto lado documental e descritivo com a força de uma encenação sem qualquer tipo de desvio ou digressão que não a essencialidade do que está em centro e progride, varrendo tudo numa intensidade que se julgaria impossível nos seus sessenta e sete minutos, chegando à abstracção e à impunição pelo lado mais dúbio e emaranhado – que é esse destino ou acaso que jamais se conseguirá domar, o chão a diluir-se, os olhos raiados de sangue a embaciarem-se, sendo o abate final de Purvis abençoado com o ouro que a todos e tudo corrompeu.
 
Traições ou desapegamentos intoleráveis, trituramento dos meios em relação aos fins, desistência da honra, vingança grave como a morte. E já falo do polícia para qual Fleischer se volta a partir da morte do comparsa. Aqui, como depois nos Centurions, só se deixa de beber café quando se devolve a bala prometida. Num realismo onde o aro do enquadramento se apega à matéria nervosa que se dispõe em frente, para lhe sondar, captar e espalhar todas as energias vitais e mortais. Numa pressão e com uma tensão que o liga por exemplo a um Aldrich explosivo, mas talvez ainda mais desafeiçoado e não consciente do poder da linguagem, antes ligando seres e coisas como uma relação imprevista e sempre nova para o mundo e para o cinema. Nos instantes decisivos, do tudo ou nada, o olhar da máquina fixa-se, frontaliza-se, vectoriza as geometrias e os suores, o sólido e o fugaz, e oscila inauditamente com o que se derrama. Espanta-se, mas finca o pé.
 
Eis assim um realizador tão implacável como os inconscientes ou por demais conscientes que desafiam a circunferência de Deus ou de nada; e que mantendo sempre a verticalidade, tomates no lugar certo, não se trai a si mesmo nem à raça que abraça, devolvendo a um tempo a razão a toda a gente, e disparando o fogo que conserva. Para o certo imponderável, a certeza certa. De todos os lados. E uma campa de notas, aquele que levou a riqueza para a morada final - fico com esta imagem.
 

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