quinta-feira, 22 de agosto de 2013

 
 
Na zona mais negra de uma floresta negra, mesmo por aí, sobre luzes e correntes aceradas e plutônicas, é possível virar o vento. Robert Mitchum foi dos que mais pisou, cheirou e se queimou nesses espetros de naturezas que reagem ao íntimo e à temperatura do homem. Em “Bandido” começa por ser o típico fanfarrão imperialista e orgulhoso de uma barbárie ganha, entrando no México de 1916, a ferro e a fogo letal, para entre os habituais negócios de armas emporcalhados e lançamentos de granadas que jamais fazem tremer o seu essencial copo de rum, regressar a uma infância que transformará o seu olhar e apagados horizontes.
 
De fama feita, esse tal Wilson que é perigoso e nada confiável ainda mais por misturar os negócios com o prazer, vai olhar por um acaso uma Lisa que naquele antro passa por uma aparição e o é, de chapéu à rapariga de baloiço vermelho e fitazinha de orvalho cor-de-rosa pela delgada cintura, e não será o mesmo. Ela também já não suporta o marido tão sujo como o pretendente mas que a trata como esposa e não como mulher, e demais a mais, o hábito já os mumificou. Wilson ou o próprio Mitchum encara-a no momento seguinte e mostra-lhe a casa dos divórcios. Quanto às diversas facções em jogo, essa cambulhada de amigos, inimigos e cínicos de toda a raça, vão confluir para uma mudança impossível como que atraídos por uma beleza estranha de inesperada no espaço e tempo menos propício. Tipicamente Fleischer por estes anos.
 
Não é um Western como não é imagem histórica ou denunciante de qualquer género. É uma progressão fabulesca que deixa a pérfida e o horror para nesse caminho subterrado apanhar o milagre inusitado, e mudar da fumaça e preta labareda inicial para outro tipo de brilho, alvo e luminoso como os rostos do par que se encontrou no Dantesco caldeirão, entre cordas nas gargantas e covas já nomeadas. Uma cura, uma missa ou um exorcismo, sei lá onde estamos às vezes…, que alastra ao filme desde o primeiro plano agreste e chamuscado a fazer lembrar os planos agrestes e chamuscados do Mexicano Hugo Fregonese, para se transformar numa ode aventureira mesmo que debaixo de pólvora à maneira de Raoul Walsh ou De Mille ou então para cavalgar mais…lembrei-me do inimitável “One-Eyed Jacks” do cineasta Marlon Brando, e não só pelas ondas transbordantes e os brancos maculados por brancos. De tabernas manhosas e hotéis corrompidos como generais ou mercadores dali, para pântanos luzentes, lagoas magicadas, praias-fronteira Rimbaunianas e pertenças de amor caligrafadas. Por entre balázios e canhões de todas as espécies, temos sempre a certeza que aqueles seres que divindades ou insondados de outra ordem decidiu acolher, não sofrerão danos de maior que não corações partidos, sufocares a contrarrelógio, corares de primeiro encontro.
 
Que bailado inaugural aquele da câmara em sequência para trás e para a frente que nunca é virtuosismo mas antes confina toda a ambiência e motivação. Num scope que jamais pensou no inimigo televisão que lhe reduziria e humilharia as escalas. Ou em operações cosméticas que limpassem o que aqui é carnagem orgânica e convulsa, anti pixels, escorreres labiais e camufladas libidos jactantes à tela. Onde o meio corpo de Mitchum é do tamanho de uma selva ou de um arranha-céus de hoje, onde uma majestosa igreja como qualquer barroquíssima ogiva sensual tão imensa e sensual como o desejante clamor de vida e prazer da enrubescida e renascida bela. Tudo o resto que pretenda manchar aquelas primaveras, ressurreições e expressão puramente liberta da forma, vai directamente para os trilhos do desprezo, de proeminência e idade contrária ao sangue vital que explode em cores e sons.

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