Na zona mais negra de uma floresta negra, mesmo
por aí, sobre luzes e correntes aceradas e plutônicas, é possível virar o
vento. Robert Mitchum foi dos que mais pisou, cheirou e se queimou nesses espetros
de naturezas que reagem ao íntimo e à temperatura do homem. Em “Bandido” começa
por ser o típico fanfarrão imperialista e orgulhoso de uma barbárie ganha,
entrando no México de 1916, a ferro e a fogo letal, para entre os habituais
negócios de armas emporcalhados e lançamentos de granadas que jamais fazem
tremer o seu essencial copo de rum, regressar a uma infância que transformará o
seu olhar e apagados horizontes.
De fama feita, esse tal Wilson que é perigoso e
nada confiável ainda mais por misturar os negócios com o prazer, vai olhar por
um acaso uma Lisa que naquele antro passa por uma aparição e o é, de chapéu à
rapariga de baloiço vermelho e fitazinha de orvalho cor-de-rosa pela delgada cintura,
e não será o mesmo. Ela também já não suporta o marido tão sujo como o
pretendente mas que a trata como esposa e não como mulher, e demais a mais, o
hábito já os mumificou. Wilson ou o próprio Mitchum encara-a no momento
seguinte e mostra-lhe a casa dos divórcios. Quanto às diversas facções em jogo,
essa cambulhada de amigos, inimigos e cínicos de toda a raça, vão confluir para
uma mudança impossível como que atraídos por uma beleza estranha de inesperada
no espaço e tempo menos propício. Tipicamente Fleischer por estes anos.
Não é um Western como não é imagem histórica ou
denunciante de qualquer género. É uma progressão fabulesca que deixa a pérfida
e o horror para nesse caminho subterrado apanhar o milagre inusitado, e mudar
da fumaça e preta labareda inicial para outro tipo de brilho, alvo e luminoso
como os rostos do par que se encontrou no Dantesco caldeirão, entre cordas nas
gargantas e covas já nomeadas. Uma cura, uma missa ou um exorcismo, sei lá onde
estamos às vezes…, que alastra ao filme desde o primeiro plano agreste e
chamuscado a fazer lembrar os planos agrestes e chamuscados do Mexicano Hugo
Fregonese, para se transformar numa ode aventureira mesmo que debaixo de pólvora
à maneira de Raoul Walsh ou De Mille ou então para cavalgar mais…lembrei-me do
inimitável “One-Eyed Jacks” do cineasta Marlon Brando, e não só pelas ondas
transbordantes e os brancos maculados por brancos. De tabernas manhosas e
hotéis corrompidos como generais ou mercadores dali, para pântanos luzentes,
lagoas magicadas, praias-fronteira Rimbaunianas e pertenças de amor caligrafadas.
Por entre balázios e canhões de todas as espécies, temos sempre a certeza que
aqueles seres que divindades ou insondados de outra ordem decidiu acolher, não
sofrerão danos de maior que não corações partidos, sufocares a contrarrelógio,
corares de primeiro encontro.
Que bailado inaugural aquele da câmara em
sequência para trás e para a frente que nunca é virtuosismo mas antes confina
toda a ambiência e motivação. Num scope que jamais pensou no inimigo televisão
que lhe reduziria e humilharia as escalas. Ou em operações cosméticas que
limpassem o que aqui é carnagem orgânica e convulsa, anti pixels, escorreres labiais
e camufladas libidos jactantes à tela. Onde o meio corpo de Mitchum é do
tamanho de uma selva ou de um arranha-céus de hoje, onde uma majestosa igreja como
qualquer barroquíssima ogiva sensual tão imensa e sensual como o desejante
clamor de vida e prazer da enrubescida e renascida bela. Tudo o resto que pretenda
manchar aquelas primaveras, ressurreições e expressão puramente liberta da
forma, vai directamente para os trilhos do desprezo, de proeminência e idade contrária
ao sangue vital que explode em cores e sons.
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