“This Land is Mine” é
um finca-pé onde um crescido aprende ou não aprende a fumar à pressão para que a
realidade não seja tão real; “The Southerner” é Steinbeck em pincel e de mão
dada; de “The Woman on the Beach” os olhares feridos de Ryan e Bennett e
sobretudo uma virgindade aquosa de que é difícil não lembrar como sonho. A obra
americana de Jean Renoir é tão espantosa e pura quanto se pode equiparar à dos
grandes cineastas desse país, nativos ou não, para se perceber que não havia
entre eles cópia mas um olhar e um trabalhar e um sentir esclarecido e agudo. Muito
pouco valor se tem dado a “Swamp Water” (onde também laborou Irving Pichel) mas
a sua complexidade e candura é evidente. Baseado numa história corriqueira como
extraordinária do The Saturday Evening e não num Great American Romance, logo se
escuta o mais americano e Fordiano dos temas musicais que sempre irá amparar ou
aquecer os momentos mais fulgentes. Poderia ser só uma fruição de um tronco
humano e de um cão por entre líquido, bichos, ramagem, monstros orgânicos e
inorgânicos, céu tão alto, o inferno em beleza travestido, a caveira no topo da
cruz, um nenhures, e a experiência já seria inolvidável, o cinema justificado e
agradecido. E no entanto uma amplitude que apela ao grande oceano do Senhor
onde as estrelas são enormes jangadas prateadas; pois vamos encontrar um
recluso que já não acredita na bondade terrestre e então prefere viver nesses
pântanos selvagens que reconhece como outra estrela longe daquela onde vivem os
outros comuns e ditos felizes. Nessas águas negras demais ou brilhantes demais prenhas
de veneno e de morte, é onde essa criatura desenvolve instintos novos e revoluciona
ou reinicia o nosso poder. Quando a certeza é deste modo inquebrantável e
serena, o físico como o outro lado que invisível se diz desdobra-se e vive do
avesso, sem meias medias. Daí os dois milagres maiores de um filme carregado
deles e do seu oposto: quando Walter Brennan, o eremítico, é mordido
mortalmente por uma cobra, morre de facto; elipse, e Dana Andrews, o
bem-aventurado, já abriu a cova para o enterrar e já ascendeu as preces; mas
vai buscar o cadáver e já encontra um estóico são e salvo e pronto para muitas
outras; a justificação nada tem de heróico - há que se resolver a curar, pensar
com bastante força e rezar um pouco. O segundo mais visível e severo milagre é
o da dignidade e o da força bruta e intemporal da verdade – o regresso ao seio,
plenitude sem antes ou depois, amor. Muito se erra e muito se perde e foge e o
encontro tem de estar sempre ao canto do coração. É o que mais nos diz esta
fábula carregada de sorrisos envergonhados e cheios e centrais, bailarinas
etéreas resgatadas à lama costumeira, areias movediças mais consequentes que
mil martelos oficiais da pobre justiça, bailados estonteantes entre carne e
suor e fingimento, inocentes a leste do paraíso, baladeiros apaixonados e
assustados sem culpa, erradas culpas imemoriais, buscas de tudo ou nada pelo
companheiro para lá de animal de estimação, ressurreições e limpezas, reencontros
e absoluto. E tanto mais, tanto que não pode ser dito. Água, ar, cimo, razões, entendimento.
Não são as bases ou fins de algum evangelista bem-intencionado mas sim do
humanista convicto que não cega nem cede à aparência. Fundo, muito fundo. Como
esses rios e mares e fúrias que, como o vento, o fogo, sopro, correm por onde e
como querem. Sempre e cada vez mais.
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