sexta-feira, 5 de junho de 2015



“This Land is Mine” é um finca-pé onde um crescido aprende ou não aprende a fumar à pressão para que a realidade não seja tão real; “The Southerner” é Steinbeck em pincel e de mão dada; de “The Woman on the Beach” os olhares feridos de Ryan e Bennett e sobretudo uma virgindade aquosa de que é difícil não lembrar como sonho. A obra americana de Jean Renoir é tão espantosa e pura quanto se pode equiparar à dos grandes cineastas desse país, nativos ou não, para se perceber que não havia entre eles cópia mas um olhar e um trabalhar e um sentir esclarecido e agudo. Muito pouco valor se tem dado a “Swamp Water” (onde também laborou Irving Pichel) mas a sua complexidade e candura é evidente. Baseado numa história corriqueira como extraordinária do The Saturday Evening e não num Great American Romance, logo se escuta o mais americano e Fordiano dos temas musicais que sempre irá amparar ou aquecer os momentos mais fulgentes. Poderia ser só uma fruição de um tronco humano e de um cão por entre líquido, bichos, ramagem, monstros orgânicos e inorgânicos, céu tão alto, o inferno em beleza travestido, a caveira no topo da cruz, um nenhures, e a experiência já seria inolvidável, o cinema justificado e agradecido. E no entanto uma amplitude que apela ao grande oceano do Senhor onde as estrelas são enormes jangadas prateadas; pois vamos encontrar um recluso que já não acredita na bondade terrestre e então prefere viver nesses pântanos selvagens que reconhece como outra estrela longe daquela onde vivem os outros comuns e ditos felizes. Nessas águas negras demais ou brilhantes demais prenhas de veneno e de morte, é onde essa criatura desenvolve instintos novos e revoluciona ou reinicia o nosso poder. Quando a certeza é deste modo inquebrantável e serena, o físico como o outro lado que invisível se diz desdobra-se e vive do avesso, sem meias medias. Daí os dois milagres maiores de um filme carregado deles e do seu oposto: quando Walter Brennan, o eremítico, é mordido mortalmente por uma cobra, morre de facto; elipse, e Dana Andrews, o bem-aventurado, já abriu a cova para o enterrar e já ascendeu as preces; mas vai buscar o cadáver e já encontra um estóico são e salvo e pronto para muitas outras; a justificação nada tem de heróico - há que se resolver a curar, pensar com bastante força e rezar um pouco. O segundo mais visível e severo milagre é o da dignidade e o da força bruta e intemporal da verdade – o regresso ao seio, plenitude sem antes ou depois, amor. Muito se erra e muito se perde e foge e o encontro tem de estar sempre ao canto do coração. É o que mais nos diz esta fábula carregada de sorrisos envergonhados e cheios e centrais, bailarinas etéreas resgatadas à lama costumeira, areias movediças mais consequentes que mil martelos oficiais da pobre justiça, bailados estonteantes entre carne e suor e fingimento, inocentes a leste do paraíso, baladeiros apaixonados e assustados sem culpa, erradas culpas imemoriais, buscas de tudo ou nada pelo companheiro para lá de animal de estimação, ressurreições e limpezas, reencontros e absoluto. E tanto mais, tanto que não pode ser dito. Água, ar, cimo, razões, entendimento. Não são as bases ou fins de algum evangelista bem-intencionado mas sim do humanista convicto que não cega nem cede à aparência. Fundo, muito fundo. Como esses rios e mares e fúrias que, como o vento, o fogo, sopro, correm por onde e como querem. Sempre e cada vez mais.


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