quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Claro que ainda tenho toda uma montanha para desbravar, com prazer. Mas com “O Bandido da Luz Vermelha” já dá para sentir toda uma diferença e uma chama que os Meirelles e os Salles não chegam nem perto, em qualquer dos sentidos, no cinema brasileiro de hoje em dia.
Só para dar uma ideia: o fogo que anima as formas e aglutina (?) os blocos do filme de Rogério Sganzerla é o mesmo que animava o Godard de “À bout de soufflé”, que por sua vez é da mesma qualidade do que incendiava a película de outro grande cineasta, anos antes…

Poética do fogo, fortíssimo e inclassificável golpe de politica estética/narrativa, infinitos movimentos dialécticos entre o mundo das mascaras e das aparências e o sangue de liberdade e da frescura. “O Bandido da Luz Vermelha” é uma peça essencial da iconoclastia nascente de apreensões e divagações apaixonadas, e de brutais reformulações, que urge descobrimento.
É o filme mais libertário do mundo, logo de um romantismo e de um lirismo (ala Fuller) desenfreado.
Filme de glória e de reconhecimento da câmara de filmar como elemento propulsivo e original de apreensão da matéria, de reenvio a matrizes e de filiações subterrâneas.
Logo – western, noir, policial, etc. E todo o contrário / nem é descontrutivismo / sim todo o oposto.


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Manifesto de Rogério Sganzerla

Cinema Fora da Lei

1 – Meu filme é um far-west sobre o III Mundo. Isto é, fusão e mixagem de vários gêneros. Fiz um filme-soma; um far-west mas também musical, documentário, policial, comédia (ou chanchada?) e ficção científica. Do documentário, a sinceridade (Rossellini); do policial, a violência (Fuller); da comédia, o ritmo anárquico (Sennett, Keaton); do western, a simplificação brutal dos conflitos (Mann).

2 – O Bandido da Luz Vermelha persegue, ele, a polícia enquanto os tiras fazem reflexões metafísicas, meditando sobre a solidão e a incomunicabilidade. Quando um personagem não pode fazer nada, ele avacalha.

3 – Orson Welles me ensinou a não separar a política do crime.

4 – Jean-Luc Godadrd me ensinou a filmar tudo pela metade do preço.

5 – Em Glauber Rocha conheci o cinema de guerrilha feito à base de planos gerais.

6 – Fuller foi quem me mostrou como desmontar o cinema tradicional através da montagem.

7 – Cineasta do excesso e do crime, José Mojica Marins me apontou a poesia furiosa dos atores
do Brás, das cortinas e ruínas cafajestes e dos seus diálogos aparentemente banais. Mojica e o cinema japonês me ensinaram a saber ser livre e – ao mesmo tempo – acadêmico.

8 – O solitário Murnau me ensinou a amar o plano fixo acima de todos os travellings.

9 – É preciso descobrir o segredo do cinema de Luís poeta e agitador Buñuel, anjo exterminador.

10 – Nunca se esquecendo de Hitchcock, Eisenstein e Nicholas Ray.

11 – Porque o que eu queira mesmo era fazer um filme mágico e cafajeste cujos personagens
fossem sublimes e boçais, onde a estupidez – acima de tudo – revelasse as leis secretas da alma e do corpo subdesenvolvido. Quis fazer um painel sobre a sociedade delirante, ameaçada por um criminoso solitário. Quis dar esse salto porque entendi que tinha que filmar o possível e o impossível num país subdesenvolvido. Meus personagens são, todos eles, inutilmente boçais – aliás como 80% do cinema brasileiro; desde a estupidez trágica do Corisco à bobagem de Boca de Ouro, passando por Zé do Caixão e pelos párias de Barravento.

12 – Estou filmando a vida do Bandido da Luz Vermelha como poderia estar contando os milagres de São João Batista, a juventude de Marx ou as aventuras de Chateaubriand. É um bom pretexto para refletir sobre o Brasil da década de 60. Nesse painel, a política e o crime identificam personagens do alto e do baixo mundo.

13 – Tive de fazer cinema fora da lei aqui em São Paulo porque quis dar um esforço total em direção ao filme brasileiro liberador, revolucionário também nas panorâmicas, na câmara fixa e nos cortes secos. O ponto de partida de nossos filmes deve ser a instabilidade do cinema – como também da nossa sociedade, da nossa estética, dos nossos amores e do nosso sono. Por isso, a câmara é indecisa; o som fugidio; os personagens medrosos. Nesse País tudo é possível e por isso o filme pode explodir a qualquer momento.

Rogério Sganzerla

2 comentários:

Anónimo disse...

Viu A Mulher de Todos? É ainda melhor.

José Oliveira disse...

a sério..ainda não, mas vou ver.