«Já se reprovava às Dames não se parecerem com aquilo que se fazia, já se reprovava e Bresson não filmar os mesmos momentos duma história, não filmar da mesma maneira.
Não era grave, nada disso era grave, nada disso impediu Bresson de prosseguir o seu bizarro caminho. Len Anges du péché era, evidentemente, o melhor filme da Ocupação, Fugiu um condenado à morte foi o melhor filme da década seguinte; O Carteirista, Jeanne d`Arc, Peregrinação exemplar são títulos-charneira numa obra que, de Journal d`un cure de campagne a Lancelot du Lac, sempre me comoveu pela sua musicalidade.
Duas belas raparigas e dois belos rapazes animam Le diable probablement…, insisto na beleza deles, pois ela é em parte o assunto do filme: a beleza falhada, a juventude falhada. Esses quatro belos rostos, Bresson joga com eles e distribui-os como as figuras dum jogo de cartas, organizando-lhes as variações. Por certo, efectivamente, Bresson começa muitas vezes as cenas filmando os puxadores das portas e os cintos, decapitando as pessoas, mas não é para economizar, para retardar, para fazer esperar, para preservar, para fazer desejar e finalmente para mostrar o rosto no momento em que ele se torna importante, no momento em que esse belo rosto, ínsito ainda sobre a beleza, em que esse belo rosto inteligente fala com doçura, gravidade, como se a pessoa falasse consigo própria?
Muito claramente, trata-se para Bresson, como para Monsieur teste, de matar a marioneta e demonstrar a pessoa no seu melhor, no seu momento mais verdadeiro de emoção e de expressão contidas.
Falei dos rostos e das vozes. A rapariga chamada Alberte fez-me pensar na Casarès de Dames. Poder-se-ia, sempre com referência ao cinema musical, descrever a maneira de andar dos quatro belos rapazes do filme. Com calçado de borracha, plenamente à vontade, eles escorregam nas ruas e nas escadas como gatos de apartamento. Os gestos deles não são bruscos são de uma doçura que imita o retardador e parece síncrona com o varrimento das imagens de que disse que são batidas como um jogo de cartas e distribuídas com parcimónia.
Num filme de Bresson, trata-se menos de mostrar que de esconder. A ecologia, a igreja moderna, a droga, a psiquiatria, o suicídio? Não, o assunto de Diable probablement…não é nenhum desses. O verdadeiro assunto é a inteligência, a gravidade e a beleza dos adolescentes de hoje, e especialmente de quatro de entre eles dos quais se poderia dizer como Cocteau que “o ar que respiram é mais leve que o ar”.
Não encontrareis essa nobreza em muitos filmes. O cinema é uma arte, mas nem todos os cineastas são artistas, Bresson sim e a sua nova obra-prima, Le Diable probablement…é um filme voluptuoso.»
Truffaut, 1977, tradução Carlos Melo ferreira.
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