segunda-feira, 17 de novembro de 2008


“Eu conheci um realizador, Pierre Romasn, que disse que um actor nunca deveria parecer poético, ser poético, que tem de interpretar de uma forma realista, com um elemento trivial. Eu concordei com ele e, desde aí, penso dessa forma em relação a tudo, incluindo a forma como componho os planos. A poesia no cinema só pode existir inconscientemente. Aparece se o filme tiver alma.”

Acho uma valiosa lição e um comentário a muitas das coisas que se vê hoje em dia nos festivais de cinema, e não só nos de cinema, nem só nos festivais. Ou seja, existe uma máquina, à frente dela está a cena, e depois, quando se quer produzir poesia, assim sem mais, sem nada por detrás, desacelera-se o tempo, os corpos mexem-se devagar, os olhares e os gestos parecem flutuar num ar mais denso do que o original. Filtrada a cena pela câmara só pode dar uma daquelas monstruosidades pretensiosas, inúteis e cheias de complexos, que fazem a marca registada e a qualidade desses circuitos. A sua quintessência. O arty, o selo de qualidade. A quingentésima variação impressionada de um Bergman, de um Resnais.
Claro que o contrário é ridículo na mesma proporção. “Vamos fazer à americana, à Tarantino, à Al Pacino”. Mesmo que uma personagem, cool e de óculos de sol, esteja a comprar o jornal, ou aos tiros, tudo nele é adrenalina, rapidez, explosão.

Nas formas é a mesma coisa, é bastante fácil, numa dessas salas onde passam esses produtos, adivinhar, dois planos depois (ou mesmo um), a influência, a fonte. Ou possui a lentidão e a pretensão meta (física, temporal, narrativa, etc, etc.) de um Tarkovski, de um Bergman, ou então está montado à bruta, à Scorsese, à Quentin, à nouvelle vague. A câmara a voar e a ausência de um olhar.

Realismo? naturalismo? acho que não é assim tão simples. Têm antes a ver com o segredo (em Garrel sente-se, existe alma), com algo original, ontológico, algo que corte essa fascinação, esse impressionismo. Se existe o pólo lei e o pólo segredo, como afirmou Rivette, o savoir fair estará na maneira como se lida com essas oposições, como o artista se deixa perder nesses caminhos para atingir outros voos, não cedendo a um equilíbrio premeditado, académico. Uma verdade das coisas e dos seres. Por aqui a poesia poderá irromper, na prosa, ou então num rosto ou numa paisagem, em qualquer coisa.

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