segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Tenho para mim que quem vê um noir vê uma dúzia de noirs. Também é verdade que existem uns que quebram qualquer ideia feita, qualquer expectativa. “The Big Combo” é, sem duvidar muito, o meu favorito. Algo assim tão cândido só o Truffaut de “Tirez sur le Pianist”, o Hawks de “The Big Sleep”, e paro por aqui, embora existam outros. Joseph H. Lewis é um dos mais secretos mestres do cinema clássico norte-americano, um dos meus favoritos, em todos os géneros que tocou, com qualquer espécie de orçamento.

“The Big Combo” é o filme de muitas combinações díspares e assim mesmo totalmente harmoniosas. Lewis dominou totalmente as correspondências secretas e ontológicas que se desprendem tanto da maneira teatral como dispõe personagens e enquadra a cena, ao mesmo tempo que descentra sempre tudo isso, inserindo pulsões várias no modo como, mesmo assim, ou sobretudo assim, amplifica e trabalha fabulosamente os signos e os sinais colados ao género. Aquele fabuloso claro/escuro (John Alton é o mestre absoluto desta arte do contra-luz, das silhuetas, dos fumos e da luminosidades que esconde e revela) e aqueles homens e mulheres, totalmente humanos, demasiadamente humanos, não parecem encaixar em género tão clínico e frio, cristalizado. Personagens assim, tão sensíveis e palpáveis - e no caso da personagem de Jean Wallace e no seu tratamento angelical é ainda mais enigmático - são também uma das singularidades do cinema de Lewis. O modo como tudo isto é combinado e posto em cena toca o sagrado, neste filme.

De resto faz lembrar o que o Bruno Andrade escreveu. Qual a historia deste filme e qual a sua verosimilhança? Fica, a todo o momento, um olhar impassível e uma serenidade arrebatante. Sobre a atmosfera, sobre aqueles actos letais daqueles seres em perda. E o ar do tempo é decisivo, a forma como é trabalhada e modulada a escuridão, orgânica, perceptível, matéria reveladora dos medos e do desconhecido, do lado negro. Está tudo isso na cena final.

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