sexta-feira, 6 de março de 2009

O que eu mais gostei no filme de Demme – para além de Anne Hathaway, sempre – é o modo como o projecto formal/estético nem por um momento dá a sensação de valer por si só, de ser o fim em si, antes existir assim para reforçar o imenso sentimento de perda e a solidão da personagem de Hathaway. Depois são as sábias escolhas do cineasta para transmitir toda essa desolação de uma personagem que não se consegue encontrar nem se consegue compreender, e a forma como o filme faz dessa questão o seu centro, com uma inteligentíssima utilização do fora de campo e das escolhas dos ângulos de câmara, sempre a manter a distância certa para não tentar adivinhar o inadivinhavel, antes para fazer jus à complexidade do humano, foi o que mais me interessou. A crueza do digital e a leveza dos materiais apagam-se (sendo no entanto essenciais e só assim podendo ser) no interesse por uma personagem e pelo mundo que a rodeia – com tudo o que isto significa em comparação.
E acho que é por aqui, no tratamento dado à solidão, que podemos evocar Cassavetes, muito mais do que qualquer lembrança do Dogma 95. Por mim já esqueci tal coisa há muito tempo e não há um único movimento de câmara ou corte que me lembre de tal coisa.

5 comentários:

Sérgio Dias Branco disse...

Certo. O Dogma 95 foi um voto de castidade não só em relação à técnica, mas em relação ao mundo. Não havia disponibilidade do olhar (não havia olhar?). Esquecer o D95 é fácil, porque ele próprio rejeitou a ideia de memória - aquilo que se guarda, aquilo que fica.

O filme de Demme é fabuloso. Já sabes o que penso sobre ele.

José Oliveira disse...

exacto Sérgio, "não havia disponibilidade do olhar", a técnica aleatória, etc...todo o contrário do filme do Demme.

Mas é difícil para muita gente ver uma câmara mais solta, um certo tipo de montagem, e não associar logo ao Dogma 95, enfim...

Unknown disse...

eu associei a 'A festa' pelo tema... a reunião familiar e os fantasmas que vêm do passado, etc.

José Oliveira disse...

não digo que não. mas li algumas criticas, nomeadamente uma na contracampo, que me pareceu completamente básica, simplista e demagógica. ou seja: relacionar a tal leveza do digital como utilizado por Demme, com as técnicas (ou ausência delas, enfim...)futéis e irritantes do Dogma 95...

AEA Produção disse...

Dogma? não me parece.
Documental? quase que poderia parecer.
Cassavetes? Sente-se no ar.