sábado, 23 de janeiro de 2010



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Hoje parece-nos precisamente o contrário. My Darling Clementine, no seu assombroso classicismo, é um dos momentos mais altos do mito do Oeste Americano, com o profundo enraizamento dos homens na terra e nos grandes espaços e com a poesia suprema em que o muito complexo emerge, como sempre sucede nas grandes sagas, do mais simples e linear. Evidentemente, o filme que vamos ver nada tem de “desmistificador” e separa-se claramente do chamado “western psicológico” tão em voga na década seguinte. Mas como pedir desmistificação a um homem que acreditava no mito e sobretudo no mito do homem livre, independente e visceralmente íntegro, a que, para sempre, na obra de Ford, o rosto de Fonda – em westerns ou não – ficou ligado?

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Mas, se o filme é um filme sobre Fonda, a sua darling Clementine e o seu odiado Clanton, nenhum dos outros personagens é abandonado ao esquematismo. Victor Mature, que tantos consideraram um “canastrão”, é, como “Doc” Holliday, e, sobretudo por contraposição a Fonda, a criatura de dilacerações e da divisão, homem de muitas imagens frente à imagem una de Fonda. Linda Darnell, em breves apontamentos, é uma das grandes figuras de mulher da história do Oeste americano, tão mítica como os homens que a rodeiam. E a sua oposição a Clementine será tudo menos maniqueísta ou simplista. E nenhum maniqueísmo ou simplismo, mas antes a densidade da suprema poesia, assiste aos múltiplos secundários, tão arquetípicos como renovados e originais: repare-se apenas no fabuloso personagem da não menos fabulosa sequência do “To be or not to be”.

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JOÃO BÉNARD DA COSTA

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(o tal western que traz o cheiro das flores do deserto; de facto maior, muito maior, do que o grande ecrã)

1 comentário:

Felipe Medeiros disse...

Coincidência, comprei o filme ontem! Na revisão, cresceu mais ainda no meu gosto. Talvez seja agora meu Ford favorito.

(A declamação de Shakespeare é genial, puta que los pares.)